quinta-feira, 12 de abril de 2007

TRAVESSAS (7) - Recordações da Infância - A Escola

Quando recordamos a nossa infância há sempre uma época que consideramos muito especial e que trás à nossa lembrança alguns
momentos bons e outros menos bons, mas sempre com aquela irreverência própria da ingenuidade desses verdes anos e que são
os tempos passados na antiga instrução primária, ou sejam os normais quatro anos que eram necessários para conseguirmos a 'formatura' na 4ª classe.

A Escola para a 'criançada' de Travessas era ali em Celavisa, mais ou menos a uma distância de 3/4 Kms., distância essa que percorriamos
em cerca de uma hora, com condições climatéricas por vezes bem adversas, como o calor abrasador no Verão, o frio e a geada no
Inverno e por vezes também nevava um pouco, neste caso para alegria da rapaziada.

Desses tempos, 1956-1960, recordo alguns amigos como o Casimiro, Arménio e Filomena, que comigo viveram algumas 'estórias' dignas
de serem contadas.

Recordo que para chegarmos mais depressa inventámos uns pneus de bicicleta ou de motorizada, que com uma vareta apropriada a servir
de tracção, nos ajudava a percorrer esses caminhos (não havia estrada) a uma velocidade tal que quando chegávamos ao S.João
ainda a Filomena não tinha chegado à antiga Volta Cimeira. O pior era o regresso com o pneu às costas por essa ladeira acima.
Mais tarde inventámos as bicicletas feitas de madeira, mas essas,
na vinda, ainda era pior porque pesavam mais!
Em determinados momentos estes meios de transporte não contribuiam para uma maior rapidez, porque, por exemplo,
aos Sábados apesar de sairmos cerca da 1,00 da tarde, a hora da chegada, muitas vezes, era quando a antiga camioneta
do correio passava, ou seja 4,30/5,00 da tarde! Desvios por outras paragens a que não eram alheios os ninhos na Primavera.

Também nessa época, embora não houvesse verdadeiramente fome, o comer não era de todo abundante!
Assim, toda a fruta existente no trajecto Travessas-Celavisa era nossa, por razões óbvias! Um dia estava eu em cima de uma pereira
(ou macieira?), com o Casimiro de guarda ao dono, quando apanho com o 'dito-cujo' a agarrar-me a perna e foi com muito custo que
consegui 'dar aos penantes' dali para fora. O Casimiro tinha-se distraído, coitado!
Esta cena deu azo a que que depois da queixa formal do dono à nossa professora, eu tenha apanhado uns pares de réguadas', que nessa época as faltas pagavam-se desta forma.

E isto das 'réguadas' faz-me lembrar que, embora não fosse na realidade mau aluno, sofria algumas vezes este castigo derivado
de alguns actos menos disciplinados. Por exemplo, no caminho da escola, ali perto da Alagoa, existia uma casa com galinhas e também ovos.
Ora nós iamos lá 'surripiar' os ovos crús, fazendo um orificio de cada
lado do ovo e depois de bebido o mesmo deixávamos lá as cascas vazias, o que 'enganava' o pobre do dono.
O mais caricato da questão é que nós iamos com o filho do dono da casa, mas quem apanhou fui eu, após uma denúncia duma 'queixinhas' de Sequeiros. O filho do dono ('ti' Sebastião) era
o F. Moura, agora a residir em Góis.
E por falar no Fernando, recordo-me uma vez em que também atacado pela professora de ponteiro na mão, cometeu a verdadeira
proeza de saltar pela janela. Um verdadeiro atleta em formação!

Um outro divertimento que nos dava um certo gozo, era partir os panelos da resina dos pinheiros, que se atravessavam no nosso caminho.
Um dia, estava eu mais o Arménio a transportar em braços os cacos duns tantos que tinham testado a nossa pontaria, para escondê-los
num bosque de silvas, quando aparece o dono com ar furibundo, ameaçando fazer queixa aos nossos papás. Evidentemente
que foi mais uma vez 'pernas para que vos quero' e o receio natural
de 'levar' desta vez com a vassoura. A pessoa em questão era o 'ti' Mário Travassos de Sequeiros e nunca se queixou de nós,
apesar do prejuízo que frequentemente lhe causávamos.

Agora um outro assunto, este um pouco mais sério! Nesses tempos de algumas privações, a Paróquia recebia, julgo que proveniente da
Holanda, leite em pó e queijo em barra, para o lanche diário dos alunos mais necessitados, que pràticamente eram todos. Só que aos
alunos sòmente chegava leite e queijo para o lanche de um dia por semana, o restante era desviado para favores da pessoa encarregada
de o fazer chegar à Escola. Infelizmente estas situações, que hoje
encontramos a cada passo, já vem de longe, sempre em desfavor dos mais necessitados.

Há, evidentemente, muito mais 'estórias' como estas, mas como o texto já vai longo, deixo-vos este pequeno exemplo dum tempo já
distante, em que apesar dos sacrificios e das privações, se recorda sempre com saúdade.

(Este texto é também uma homenagem às minhas Professoras - D.Maria do Rosário, de Torrozelas e D. Palmira Sales de
Sarnadinha/Lousã e aos meus 'camaradas' António M.Bandeira/Sequeiros e M.Cândida/Celavisa, que comigo
terminaram a 4ª classe).


Travessas, Outubro de 2003


Carlos Manuel F.Gonçalves

(Jornal de Arganil nº. 3912 de 27 de Novembro de 2003)

Sem comentários: