quarta-feira, 11 de abril de 2007

TRAVESSAS (5) - Os Caminhos da Serra

Caminhos da serra, caminhos da minha terra!

Caminhos mais largos, mais estreitos, simples veredas, socalcos no duro chão, por montes e vales, caminhos com nome, caminhos com história!

Na lembrança duma terra recordamos, algumas vezes com nostalgia, os caminhos que percorremos enquanto crianças, trilhos que nos conduziram para a escola, alí em Celavisa, no quente Verão e no
frio Inverno, foram os primeiros árduos passos no dealbar duma
vida de luta para quem nasceu nas esquecidas aldeias deste nosso
Portugal de outrora.
Mas havia outros caminhos que fomos descobrindo no desabrochar dos nossos verdes anos!
Com o alargar do passo, pisámos silvas e tojos, fomos no caminho da serra, talvez no Ventoso, apanhar molhos de mato para os
animais, fomos ao Pardieiro buscar lenha para o forno ou para
nos aquecermos nas longas noites dos Invernos do nosso descontentamento...

Também houve aquela estrada, que percorremos, em idades em que
agora é crime, nos Serviços Florestais, pobres crianças de 11-12-13 anos, plantando árvores, ceifando erva ou abrindo estradões e
aceiros, numa época em que não havia os fogos de hoje, talvez porque o homem ainda não tinha aprendido a maldade e a
ambição desmedida que hoje vemos no caminho da vida..

Mais tarde aprendemos o caminho para a Costa, Vale, Cobão, Porto-Cimeiro, Lameiro-Curral, Abeleiras, Boições...
Tantos e árduos caminhos! Terra dura, dificil de desbravar, terra fecundada pela pá da enxada!
Caminhos com nome, distantes: para lá ia a cesta com estrume à cabeça, as ferramentas e as sementes; para cá vinha a cesta
com as uvas, o milho, as batatas, os feijões e as cebolas, vinha o cansaço do trabalho, misturado com a satisfação do dever cumprido.

Vida dorida, atalhos feitos caminhos, tapete de espinhos, suor quente brotando do corpo...Olhar firme, cabeça erguida,
confiança inquebrável, esperança num futuro sempre melhor...

Admiramos a serra coberta de mato, urzes, carquejas, giestas, moitas, rosmaninho...Ouvimos o cantar do melro, do pintassilgo e
da cotovia... Sentimos o doce encanto da brisa ao entardecer nos acariciando o rosto...
Andamos, lutamos, sofremos, cantamos e rimos! Singular vida do povo da serra, esta gente é feliz na pobreza do seu mundo!
Ninguém entende melhor a força da natureza, a razão do uivo do vento, o porquê da chuva cair dum céu sem nuvens, ou a
trovoada surgir num dia de sol...

Caminhos da minha terra, auto-estradas da nossa estima, imagens da nossa existência!
Por eles transportamos a ilusão dum momento, a angústia da escuridão passageira, o sonho que nunca nos abandona...
Ouvimos o eco responder às nossas perguntas, sentimos nos nossos passos o movimento da vida, murmuramos baixinho palavras
a um amor distante...

Hoje, amanhã, alguns destes caminhos vão enconder-se ou mesmo desaparecer. As silvas, o mato e as ervas daninhas irão apagar o
passado dos nossos passos. A lei da vida é inexorável! Não devemos, todavia, chorar pelas recordações! Talvez amanhã ali vá
passar uma movimentada estrada, ou então alguém desbrave o mato e plante uma árvore... A vida é esperança, o mundo não pára!

E mesmo para aqueles que vislumbram no horizonte o fim do caminho da vida, mesmo para esses há a firme convicção de que
novas gerações irão trilhar esses caminhos da serra, a terra é eterna, o homem morre mas não morrem os seus ideais.

Travessas, Setembro de 2003

Carlos Manuel F.Gonçalves

(Jornal de Arganil nº. 3901 de 11 de Setembro de 2003)

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