quinta-feira, 12 de abril de 2007

TRAVESSAS (6) - As Ervas Daninhas


Escrevi há tempos que Travessas era a aldeia mais bonita do concelho de Arganil, no entanto tinha um senão: tinha poucas ruas!
Na semana passada estive na minha aldeia e verifiquei uma outra situação, esta um pouco mais estranha: Travessas está cheia de ervas daninhas!

Como é possível uma terra linda, com uma paisagem deslumbrante, águas cristalinas deslizando docemente por montes e vales, onde os
pássaros esboaçam alegremente e nos cantam canções da sua liberdade, em que cada palmo de terra representa o caminho
que fomos percorrendo ao longo da vida, aldeia onde o povo
sempre viveu numa comunidade de fraterna convivênvia, sim, como é possível alguém ter aqui semeado ervas daninhas e essas ervas
se terem desenvolvido duma forma jamais imaginada.

Os naturais de Travessas descobriram atónitos um facto novo que julgavam impossível na terra que amam!
Se estes campos sempre deram coisas boas, independentemente de estarem ou não cultivados, não podemos esquecer que as silvas dão
amoras, se a estas terras prestámos a nossa homenagem e cantámos loas do nosso amor, sim porque razão agora ela nos dá coisas más, ervas daninhas!

Coisas estranhas se passam hoje na vida! Ainda não há muito tempo o caminho era único, ouviamos o som de muitos passos que
pareciam um só passo, as vozes na sua diversidade pareciam uma só voz! Hoje, encontramos novos caminhos que ontem não estavam lá
e as vozes soam de lugares diversos, qual sinfonia desafinada, que fere os nossos ouvidos!

Travessas, minha terra, porque deixas que o teu chão que sempre deu pão se transforme agora e dele nasçam essas horríveis ervas?
Sim, nós sabemos que elas vieram de longe, que as suas raízes ainda estão à tona da terra e que dentro em pouco as conseguiremos
extirpar, todavia porque nos castigas com esta praga?

A minha aldeia sempre foi invejada por semear amizade e flores em detrimento de outras que sempre semearam ódio, intrigas e pedras!
Aqui as pessoas falam da familia, dos amigos, dos amores, relembram o passado, vivem o presente e sonham com o futuro!
Não falam do vizinho, esquecem quem um dia os ofendeu e procuram,
sempre assim foi, um momento em que se arruma a enxada, limpa-se o suor do rosto e todos se encontram em alegre cavaqueira,
comendo e bebendo, sardinhas e bifanas na Primavera/ Verão, torresmos e castanhas no Outono/Inverno, sempre na companhia
de um bom copo de tinto.

Travessas tem agora menos gente permanente do que uma vulgar família! E é por essa razão que estamos condenados a continuar a
ser apenas uma família! Podem aparecer essas tais ervas surgindo de locais remotos da nossa existência, todavia, vamos dar-lhes a
a luta que elas merecem, vamos continuar a semear e a regar o
nosso canteiro de flores, na convicção de que no contínuo revolver da terra, conseguiremos debelar toda essa maldição, que assomou,
inesperadamente, neste nosso eterno jardim à beira-serra plantado.

Esta maneira de ser, em que sempre vivemos, vai manternos atentos e vigilantes, somos os firmes guardiões da herança dos
nossos antepassados, não podemos afastar a sua presença dos caminhos que trilhamos, e por eles tudo vamos fazer para que jamais haja ocultos rumos no destino da nossa terra!

Travessas, Setembro de 2003


Carlos Manuel F.Gonçalves

(Jornal de Arganil nº. 3906 de 16 de Outubro de 2003)

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