quarta-feira, 11 de abril de 2007

TRAVESSAS (4) - As Carvalhas do Cabeço


LENDAS DA MINHA TERRA

As carvalhas do Cabeço

Uma quadra que ouviamos cantar na nossa meninice dizia:

Adeus lugar das Travessas;
Adeus ao álamo da Bica;
Mesmo que eu me vá embora;
O álamo sempre lá fica!

Não ficou! Há muitos anos que esta mítica árvore desapareceu!

Morreu o álamo, mas não morreram as carvalhas do Cabeço!

Se há simbolo mais emblemático em Travessas, são estas árvores que nos dão as boas-vindas sempre que chegamos à nossa terra.
Quantos anos tem estas carvalhas? Não sabemos, apenas sabemos que são centenárias, as várias gerações passam o testemunho
da sua recordação, fortes e vigorosas, altaneiras na sua magestade...

Estas árvores são amadas por um povo agradecido, são guardas do nosso castelo de portas abertas, embelezam a nossa sala de visitas,
dão-nos o prazer da sua sombra no calor do Verão, despem-se para deixarem passar os raios solares que nos aquecem nos frios dias de Inverno...

Que recordações têm estas carvalhas! Nestes longos anos de vida assistiram a muitos eventos festivos, na carícia dos seus ramos e
do seu benevolente olhar, o povo dançou, conviveu, brincou, jogou e amou. Muita coisa se passou, para trás ficam as recordações das
festas que ali fizemos, dos almoços que comemos, das castanhas que assámos, dos jogos da malha e das cartas, das fogueiras dos
Santos Populares, do mastro do S.João, do beijo que às escondidas ali trocámos...

Também assistiram a outras situações menos gratas, que entristeceram a nossa terra! Do alto dos seus ramos foram
testemunhas sofridas do ciclone e das cheias, que desvastaram o arvoredo e as terras de cultivo dos nossos vales, os constantes
incêndios chamuscaram-lhes as folhas, mas não o inquebrável desejo de viver!

Por vezes pensamos que estas árvores têm vida própria, falamos com elas, contamos os nossos segredos, falamos das nossas mágoas,
dos nossos anseios, da nossa esperança num futuro sempre melhor...
E no paganismo dos nossos actos, no sussurrar do vento nos ramos das velhas carvalhas, parece-nos ouvir uma resposta, um conselho
adulto e sábio de alguém que corresponde ao nosso amor e já muito viveu!
E para que este amor recíproco não se torne em adoração, alguém descobriu um nicho, no tronco de uma destas árvores e por devoção
ali meteu uma santa, e neste acto tão simples conseguiu um duplo efeito e subverteu o nosso gesto pagão, o sentir que amamos o
nosso símbolo, mas adorar...adorar só Deus, Jesus e Nossa Senhora!

No futuro vamos continuar a vê-las, na juventude dos seus longos anos, saudando este povo e os amigos que nos dão o prazer da sua
visita, nos seus ramos e folhas os passarinhos vão cantando o hino da sua liberdade num albergue eterno que lhes dá guarida e lhes
renova a esperança nas gerações vindouras...Os seus olhos
e ouvidos, apesar de cansados, vão manter-se despertos na imensidão do tempo, vendo as águias do Ventoso no seu circular
infinito, os fios de água descendo quais cascatas nos nostálgicos Invernos e ouvindo as raposas lhes farejando os troncos, os texugos,
os gatos bravos, os papalvos e as doninhas no seu labutar nocturno...

Todo este mundo elas irão transmitir aos nossos descendentes, a história não a escrevemos, deixamos como legado estas árvores,
elas são o amanhã dum povo que tem sabido viver na fraternidade das várias eras, um povo que tem como Padroeira a Senhora da Paz
e que anseia por essa mesma paz para todo o Mundo.

A quadra do passado passou, a quadra do futuro terá como tema as 'carvalhas do Cabeço':

Adeus lugar de Travessas;
Adeus carvalhas do Cabeço;
Mesmo que eu me vá embora;
Nunca delas me despeço!


Travessas, Maio de 2003


Carlos Manuel F.Gonçalves

(Jornal de Arganil nº. 3890 de 26 de Junho de 2003)

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