quarta-feira, 30 de setembro de 2009

TEU CORPO - OASIS OU PERDIÇÃO

Teu corpo é um rio, deslizando docemente por entre as margens do meu leito.

Nele sacio,
A sede,
A fome,
E o ardor dos sentidos.

Nas ardências do teu corpo,
Bebo,
Como,
Deliro.

O rio é de água salgada.
Bebo... e quanto mais bebo, mais sei, que nunca vou conseguir saciar a sede do meu ser.
Tento alcançar a outra margem,
Não sei nadar,
Afogo-me.
Só no estio as margens se encontram,
E tu és Primavera!


Quinta do Anjo, 30 de Setembro de 2009

Carlos Manuel Fernandes Gonçalves

terça-feira, 22 de setembro de 2009

O U T O N O - DESACERTO




Se,
pudesse ter rosas no jardim da minha casa, para oferecer-te,
eu gostava do Outono;
Se,
pudesse ver no mar a cor do céu, a cor dos teus olhos,
eu gostava do Outono;
Se,
pudesse ver a Lua quando, na noite escura, te beijo com paixão,
eu gostava do Outono;
Se,
pudesse ver estrelas, numa tarde de Sol, quando te sonho,
eu gostava do Outono;
Se,
pudesse ver em ti a minha musa, na inspiração da tua imagem, quando nos perdemos nas ondas do mato verdejante, na serra da minha terra,
eu gostava do Outono;
Se,
pudesse pintar a beleza do teu corpo desnudado, num campo de flores,
eu gostava do Outono;
Se…



Disseste que gostas do Outono. Que é mesmo a tua estação preferida!

Gostas do Outono, gostas dos dias a diminuir, dos dias cinzentos, das nuvens do entardecer, do pôr-do-sol pardacento, das folhas secas, da vida caída, do desnudar das árvores, dos campos grisalhos, dos jardins vazios, da antevisão do ocaso …

Eu, no oposto, não gosto do Outono, gosto da Primavera, dos dias a crescer, do nascer do sol, dos dias de luz, do renascer da natureza, do rebentar das folhas, do vestir das árvores, dos campos verdejantes, dos jardins floridos, do amanhecer da vida …

Duas imagens em confronto: dum lado, a juventude que sabe que pode admirar a natureza morta, ver encanto no ocaso do dia, viver o presente, sonhando o amanhã, sem ter medo do futuro; do outro, na antevisão dos medos da decadência, o desejo de nascer todos os dias, viver cada dia como se fosse uma vida, admirar a natureza em todo o seu esplendor, sentir a esperança do amanhã, mesmo quando se vive na desesperança do hoje.

Temos os sentidos trocados: tu, que és Primavera, gostas do Outono; eu, que sou Outono, gosto da Primavera!

Neste desacerto de sentimentos, uma certeza, gostas do Outono, gostas de mim… eu sou o Outono da vida!


Quinta do Anjo, 22 de Setembro de 2009

Carlos Manuel Fernandes Gonçalves

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

TRAVESSAS (16) - A SUBIDA DA SERRA



Subi ao alto da serra da minha terra!

Dezanove horas, instantes do entardecer, o sol declinava no horizonte, o vento calava a suave brisa, algumas nuvens surgiam no céu, indícios de próximas mudanças no tempo, antevisão do término do Verão e da chegada do Outono.

Olhei o horizonte que podia alcançar, campos, planícies, montes e vales, terras dispersas, estradas curvilíneas, aldeias, pessoas feitas formigas, águias e cotovias, natureza, vida…

Sentei-me numa fraga, endeusei-me em pensamento, o homem e a natureza irmanados no mesmo sentimento de encanto e paz, o êxtase do paraíso no silêncio da serra.

(Travessas - A minha terra!
Montes e vales … e o céu no alto da serra!)


Tinha subido dos vales aos montes, tinha subido à serra!

Procurei o céu, não o vi, era apenas ilusão, estava no limite da terra, o corpo pedia-me para descansar – tinha atingido o objectivo -, e de seguida encetar a marcha da descida ao vale, o encanto do entardecer, do pôr – do - sol, do Outono da vida…

Ouvi o fascínio do pedido, a volúpia do paraíso prometido, mas senti a resistência do espírito, corpo e alma em contradição, a diferença no encanto dos grandes espaços, das montanhas mais altas, das varandas sobre o infinito, em contraste com os baixios da vida, os vales profundos, as visões do abismo… Assim, em vez de descer, usei da imaginação e coloquei uma escada, a fazer de ponte, para chegar mais acima, para poder alcançar as estrelas, para atingir o etéreo!

Quero viver a eternidade, na visão deste mundo que amo, perpetuar o meu ser na vivência dos meus amores, no sonho das minhas paixões…

Travessas - Arganil, 15 de Setembro de 2009

Carlos Manuel Fernandes Gonçalves

(Jornal de Arganil nº. 4221 de 29 de Outubro de 2009)

sábado, 12 de setembro de 2009

QUEM ME DERA...

Oiço, MADREDEUS, na cantiga: 'Cantiga do Campo’…

… quem me dera ser a pedra
em que tu lavas no rio!


Sonho (-te):


… quem me dera ser o vento
para te acariciar na lonjura!


Quinta do Anjo, 12 de Setembro de 2009

Carlos Manuel Fernandes Gonçalves

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

PAIXÃO INTEMPORAL (... Delírio de sonhos, sonhados no tempo!)

Foste tudo para mim!
Paixão…Ilusão…Amor…
…Obsessão…Loucura!
Foste o meu dia, a minha noite, o meu sol, a minha lua…
…A luz do meu entardecer, as estrelas da minha escuridão!


Encontrei-te quando mais precisava de te encontrar!
Perdido em dia dos perdidos, em dia dos desesperados, procurei no teu olhar o ânimo que me tinha abandonado, a tua boca nada perguntou, os teus braços abriram-se para me receber, nada me pediste, nada te dei, nada demos um ao outro e, todavia, demos tudo!

Nesses momentos inquietantes em que a minha alma foi trevas, tu foste a âncora que me susteve, a corrente que me prendeu a um mundo que eu tinha, por desistência, abandonado!

Foste o bálsamo das minhas dores, foste o silêncio da minha tempestade, pouco falaste, mas disseste tudo, a imensidão do teu olhar deu-me a seiva que a vida me tinha tirado.

Deste-me carinho, deste-me calor, deste-me tranquilidade, deste paz ao meu espírito, não sei se me deste amor, nunca te perguntei, mas fizeste sentir-me amado e isso era tudo, o que, naquele momento, mais necessitava.

Em ti descobri tudo. Na ilusão da pintura do teu corpo, foste o meu modelo; na inspiração da minha prosa, foste a minha musa; no devaneio dos meus sonhos, foste a minha paixão…

Compreendeste a angústia da minha alma, o vendaval da minha existência e lentamente tornaste-te tu própria a obsessão da minha loucura.

Adorava estar contigo, brincar contigo, provocar-te para admirar o brilho zangado dos teus olhos, fixar a covinha do teu rosto, local onde te vão aparecer as primeiras rugas, contemplar a tua silhueta elegante, admirar o teu andar altivo de perturbante mulher…

Senti ciúmes de todos os homens de que me falavas, do vento que te acariciava a face, do sol que te beijava a pele…

Nesta fase da minha vida amei-te perdidamente, nos meus sonhos, tive-te, possuí-te, foste minha, fomos um só, foi o delírio dum momento de loucura, quando te procurei apenas encontrei a solidão do vazio.

Tudo na vida tem um fim! Esta ilusão, esta paixão unilateral, esta demência dos sentidos também vai ter o seu fim, eu sei, mas também sei que me vai causar muita dor, sei que vou-te dizer ‘até amanhã’ e sentir o coração destroçado, sei que vou dizer-te que tenho de fugir de ti, que não quero mais a tua presença, e, no entanto, vou andar a procurar os teus espaços vazios, a cheirar o teu cheiro na tua ausência, a ver-te de longe quando não me podes ver…

Nesta agonia de vida sei que nada te posso oferecer, que não posso lutar por ti, assim, só me resta o declive da curva do caminho, o fim da estrada, desta terra de solidão, desta terra inóspita!

Quinta do Anjo, Agosto de 2009

Carlos Manuel Fernandes Gonçalves