sábado, 7 de abril de 2007

TRAVESSAS (1) - A Nossa Terra

A minha terra é Travessas!
Dito desta forma esta frase parece ser algo banal e no entanto reflecte uma diferença: quando perguntamos a um 'alfacinha' da
capital qual é a sua terra, ele invariàvelmente responde: 'eu nasci em Lisboa ou eu sou de Lisboa'!; quando formulamos a mesma questão
a um beirão, altivo serrano, aí ele responde: 'a minha terra é (...)!
Esta é a diferença, quem nasce numa grande cidade não sente o orgulho da sua terra, como o sente quem nasceu naquelas humildes
aldeias.

A nossa terra é algo de sublime, aquelas serras, aqueles campos, aquelas pedras, viram passar gerações, sentiram o renovar
constante da vida, assistiram ao apogeu de uma época em que apesar das dificuldades económicas as pessoas cantavam no
campo, nas eiras e ao desafio nas romarias, contavam anedotas brejeiras na soleira das portas ao entardecer... Mais tarde as
pessoas partiram, a juventude tornou-se adulta, as crianças deixaram de nascer, as aldeias ficaram mais tristes...

A voracidade da vida fez-nos perder tradições, fez-nos esquecer os amigos, tornou-nos mais egoístas. Todavia, nunca ninguém
esquece a sua terra e é sempre com o coração alvoraçado que regressamos, que recordamos o passado e que falamos do futuro.
Quando chegamos, que emoção sentimos ao avistar a capela, o casario modesto, falar com as poucas pessoas que ainda ali
vivem e que são todas nossas amigas, dizer-lhes que estão cada vez
mais novas, que o ar da serra lhes enrija os ossos e a vontade de viver, pessoas que apesar da idade dos anos continuam a cuidar
do amanho das suas terras, muitas vezes não por necessidade, mas pelo amor e carinho que sempre dedicaram a quem, no passado,
aí sim, foi o seu único meio de subsistência, a única forma de alimentarem os seus filhos.

E é neste misto de emoção e duma doce paz interior, que percorremos os campos, olhamos as hortas, as vinhas, as árvores
de fruto, ouvimos o cantar dos pássaros... Também olhamos com pena aquela pequena parcela de terra que agora está abandonada
ao mato e às ervas, aquele monte em que antigamente só se viam pinheiros e, hoje, fruto do descuido, do desvario ou da ambição
do homem, sòmente vemos ou terra calcinada pelos constantes
incêndios, ou desmazelados eucaliptos que sempre dão mais lucro que a verdejante mata de outrora.
Tudo aqui nos recorda algo, aquele caminho que percorriamos guardando o gado, aquela árvore em que um dia fomos tirar
um ninho (pecado de uma infância inocente e inculta), aquela fonte que nos saciava a sede, aquela silveira que nos dava amoras...
À tardinha assistimos à beleza do vermelho do pôr do sol e à noite contemplamos extasiados um céu cheio de estrelas, esperando
que surja a luz da lua para nos iluminar o caminho rumo ao alvor de um novo dia.

Por tudo isto, aquele rincão que amo, é a minha terra, Travessas!


Travessas, Dezembro de 2002

Carlos Manuel F.Gonçalves

(Jornal de Arganil nº. 3866 de 9 de Janeiro de 2003)

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