segunda-feira, 9 de abril de 2007

TRAVESSAS (3) - Passado, Presente e Futuro

Há dias estava sentado no adro da Capela, local onde aliado a uma rara beleza, o olhar se perde lá nos confins da Serra do Caramulo,
nas poucas árvores que os contínuos incêndios não conseguiram roubar-nos, nos montes e vales que nos rodeiam por todos os lados...
Ali estava eu, no centro do mundo, na quietude de um dia de Verão,
no silêncio do cantar dos pássaros, na nostalgia dos anos passados, na certeza risonha do momento presente, na esperança convicta
de um futuro sempre melhor...

E foi ali, na solidão do momento, na pequenez do que sou perante a grandeza de tudo que me rodeia, que revivi o garoto de calções
que se escondia de vergonha quando chegavam os 'senhores' de Lisboa, que caminhava ao calor, à chuva e ao frio, acompanhado
do Casimiro e do Arménio, para a escola alí em Celavisa. Recordei
a meninice tímida, as crianças que depois da escola guardavam o gado e iam ao mato para os animais, os jovens/crianças que com
11/12 anos iam trabalhar para os Serviços Florestais na Serra do Vieiro...
E 'vi' também os amigos, os muitos amigos que partiram, a saúdade que nos deixaram no interregno do reencontro, 'vi' Travessas cheia
de gente, a apanharem as uvas, a desfolharem o milho na eira, a apanharem a azeitona no frio Inverno...

O passado passou, deixou-nos presentes, Travessas tem, hoje, tudo que um ser civilizado anseia, houve muito trabalho pelo meio, mas
também houve, felizmente, muitos amigos que nos ajudaram. Agora somos menos aqui, já não se ouvem as vozes cantando por esses
campos fora, as brincadeiras das crianças e mesmo os pássaros estão mais silenciosos. No entanto, na nossa maneira de ser nada
mudou, continuamos a ser os mesmos, neste ambiente fraterno e
comunitário em que sempre vivemos, eternos amigos e hospitaleiros para quem nos visita, sempre de porta aberta na oferta daquilo que temos.

O futuro é amanhã! Vai apanhar-nos mais velhos, os cabelos brancos vão recordar-nos os fios de linho que, outrora, os nossos avós teciam
nos seus teares. Tivemos filhos e agora temos netos, a vida renova-se em cada dia que passa.
Assim é, também, Travessas! Foi o nosso berço, ensinou-nos o caminho da vida, deixou-nos seguir o nosso destino, com a promessa
de sempre voltar. E quase todos nós partimos, andámos por terras distantes, construímos o nosso futuro... Todavia, o apelo da terra
nunca foi esquecido e regressamos sempre, alguns de uma forma mais presente, outros por meses, dias ou horas, tal como o filho pródigo sempre volta ao regaço da sua mãe amada.

E é agora ao regressarmos com os nossos filhos e netos, que acreditamos que Travessas não morrerá jamais, os nossos
descendentes irão prosseguir o nosso trajecto, fazer com que a nossa terra continue igual a si mesma, diferente e acolhedora,
as águias altaneiras vão manter-se como sentinelas vigilantes lá no alto da serra da Gatucha, a suave brisa vai permanecer nos beijando
o rosto, a água pura e cristalina vai manter-se deslizando, por entre os socalcos da Fonte Fria e os penhascos do Porto Cimeiro, a
caminho do seu destino e à noite vamos continuar a ouvir o piar da coruja e o gargalhar da raposa procurando a sua presa.

Amanhã é um novo dia, é o futuro, que queremos nunca nos deixe saudades do passado.

Travessas, Setembro de 2002


Carlos Manuel F.Gonçalves

(Jornal de Arganil nº. 3859 de 21 de Novembro de 2002)

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