sábado, 28 de fevereiro de 2009

DIARIO (5) - FEVEREIRO DE 2009

Quinta do Anjo, 12 de Fevereiro de 2009

Em medicina, dizem, um órgão que se sente é um órgão doente. O problema é que se durante a vida, sempre andei sentindo o coração, agora começo a sentir demasiados órgãos.

Quinta do Anjo, 13 de Fevereiro de 2009

Sexta-Feira, dia 13! Dia e número de azar para os supersticiosos, dia em que provavelmente Jesus foi crucificado, dia dos gatos pretos, do perigo de sair à rua e de viajar, do número de pessoas que não se podem sentar à mesma mesa, enfim crendices para quem acredita.
Para mim, que não acredito em bruxas (embora digam que elas existem), é um dia igual a todos os outros, os problemas aparecem em qualquer dia e não somente nas sextas-feiras dia 13, todavia, para quem acredita, o facto pode tornar-se obsessivo e a mente atrair as desgraças que essas pessoas tendem a esconjurar.
A sorte e o azar são duas faces da vida, só que enquanto a sorte é necessário irmos à sua procura, conquistá-la, o azar vem ele próprio ter connosco, vencer-nos.

Quinta do Anjo, 14 de Fevereiro de 2009

Dia de São Valentim, dia dos namorados! Um dia que se quer diferente, em que se procura agradar à pessoa amada, dia de beijos, abraços, de amantes, amores, paixões…
Momentos de afecto, a oferta duma flor, dum perfume, dum almoço/jantar romântico à luz das velas, instantes de intimidade, inspirado na história dum bispo, dum santo, mas também dum homem que igualmente viveu e morreu pela paixão, pelo amor…
Este é também um dia de enganos e desenganos, de seres que fingem amar, de outros que juram o amor e vivem outras paixões, de amantes, de ilusões…
Na verdade, é mais um dia marcado no calendário, mais um dia imposto, quando o amor e a paixão, para serem estremes, tem de ser um êxtase de todos os dias, de todas as horas… É mais pura aquela rosa silvestre que colhemos e oferecemos à pessoa amada, quando passeamos juntos, de mãos dadas e apaixonados, de que a oferta que fazemos, quantas vezes de forma hipócrita, nestes dias com data anunciada.
A melhor oferta é amar e ter o amor da pessoa amada, sentir que, quando não vemos a nossa paixão, a luz do dia se converte nas trevas da noite.

Quinta do Anjo, 15 de Fevereiro de 2009

Dias de Sol, de suave brisa, temperatura amena, dias de enlevo! Principiaram a chegar as andorinhas, os campos e as árvores começam a florir, encetamos o vislumbrar do regresso da Primavera.
Também gostava de ser natureza, renascer todos os dias, sentir o palpitar da vida no estirão da existência, ser árvore, ser flor, ser fruto…
Esta época é uma analogia do nosso ser menino, em que tudo é puro, virginal e genuíno, em contraste com o nosso ser homem, em que quase tudo é imundo, putrefacto e sujo.

Quinta do Anjo, 16 de Fevereiro de 2009

(FÁBULAS – CONTOS DE ENCANTAR)

… Era uma vez um Rei bárbaro, dum reino da Serra, que quando via passar uma formosa dama da Corte, dizia esta barbaridade: - ‘pulgas destas não saltam para a minha cama!’
Um dia, uma fada ouviu tão peculiar expressão e resolveu inverter a situação, ou seja, transformou o Rei numa pulga – macho, claro! -, para o obrigar a ser ele a saltar para a cama das donzelas.
Anos mais tarde, andava o nosso Rei a saltitar num reino próximo, quando lhe surgiu o Palácio Real e, como ia cansado, resolveu passar ali a noite.
Subiu aos aposentos reais, onde se encontrava, só e nostálgica, a Rainha D. Eleonora. (O Rei daquele condado, dizia-se, era abichanado e tinha fugido com um pajem, da mesma linhagem).
Depois de penetrar no quarto, o nosso Rei - pulga fez aquilo que o instinto, da sua génese, lhe impunha: saltou para a cama da Rainha! Depois de admirar a beleza onde estava inserido, os lençóis de linho puro e a lingerie (cor preta, ou seria da escuridão?) bordada a ouro da Rainha, o nosso Rei – pulga entusiasmou-se e começou a fazer comichões a Sua Alteza.
Numa das passagens pelo belo rosto da Dama, inadvertidamente, tocou-lhe nos lábios e assim quebrou-se o feitiço e apareceu o Rei - homem, em todo o seu esplendor…

(Bem esta foi a história que uma minha conhecida contou ao marido, quando ele chegou mais cedo do trabalho e a encontrou na cama com um outro cavaleiro da Corte, mais propriamente com um plebeu da aldeia).

Quinta do Anjo, 17 de Fevereiro de 2009

Estava há pouco a assistir ao programa da manhã da RTP-1, Praça da Alegria e chamou-me a atenção uma reportagem sobre a nova moda de lingerie feminina, ou seja, roupa interior com sabores: chocolate, coco, menta e tuti-fruta.
Não há dúvida os homens cada vez são mais tentados nas coisas boas da vida, no entanto, quedo-me numa incerteza, se um dia estiver com uma mulher nestas circunstâncias, qual vai ser a decisão: faço amor com a beldade, ou como o invólucro?

Alcochete, 18 de Fevereiro de 2009

Enquanto a mulher passeava e fazia algumas compras no Freeport, nos arrabaldes de Alcochete, eu, que não gosto muito dos ambientes dos grandes espaços comerciais, fui descobrir a milenar vila de Alcochete.
É uma terra agradável e hospitaleira, basta ser banhada pelo Rio Tejo e ter habitantes como aquele idoso com quem tive o prazer de conversar. Terra bastante antiga, provavelmente de origem árabe, daí o primitivo nome 'Alcaxete' e que teve o seu apogeu no século XV, altura em que aqui estiveram instalados o Rei D. João I e o Infante D. Fernando, e nascido o futuro Rei D. Manuel I.
Foi uma terra de agricultura e de gado bravo, daí a tradição taurina, da extracção de sal, da pesca e dos transportes marítimos entre as duas margens do Tejo, mas, gradualmente, tudo isto foi desaparecendo, dando lugar à actual urbe, à explosão demográfica e urbanística, aos serviços, e está projectado para esta zona o futuro aeroporto internacional de Lisboa, o qual irá dar um novo desenvolvimento a esta vila.
Gostei de ver o parque ribeirinho, é lindo espraiar os olhos sobre o Tejo, ver Lisboa à distância, apreciar a bela Igreja Matriz, de estilo gótico, do século XIV, construída, segundo se pressupõe, sobre as fundações duma primitiva mesquita, a Igreja da Misericórdia e a Capela da Nossa Senhora da Vida, a que as classes piscatórias dedicavam grande devoção.
Sentado no muro, fronteira da terra com a água, relembro a lenda de Conceição e de Nossa Senhora, vejo-a na sua fé, a troco da própria vida, a salvar o Pai, comandante da marinha mercante e Gastão, o seu amor, das ondas tormentosas, quando do naufrágio do seu barco; vejo em Alcochete uma sereia, que embala o meu espírito, na inquietude das águas poluídas do Tejo…
Alcochete é uma terra a visitar, uma terra com história, deste Portugal que a maior parte dos portugueses desconhece.

Quinta do Anjo, 19 de Fevereiro de 2009

Converso com um amigo, um pouco mais velho que eu, e a conversa repete sempre o mesmo tema saudosista, o passado: as extravagâncias, as noitadas, as mulheres, as loucuras da juventude…
Tanto ouvi e depois de tentar convencê-lo de que o presente também tem os seus encantos, que temos de transportar a juventude para o futuro, e como não consegui persuadi-lo, terminei dizendo: - Oh homem, pode não repetir as leviandades do passado, mas está sempre a tempo de inventar novas loucuras!

Quinta do Anjo, 20 de Fevereiro de 2009

Mais uma manhã de nevoeiro, um dia cinzento, um dia de brumas na natureza, de angústia na existência…
Os sonhos não conseguem trespassar a névoa, quedo-me, eu e as ilusões, nos baixios da vida.

Quinta do Anjo, 21 de Fevereiro de 2009

Quero sempre recordar-te como aquilo que és e não como aquilo que dizes ser!
Por isso te digo, não recebi a última mensagem que, dizes, envias-te, num dia de vendaval.

(Parábola à paixão da minha vida… natureza).

Quinta do Anjo, 22 de Fevereiro de 2009

Que linda é a natureza, na sua virgindade, na sua nudez!
Olho um pomar de árvores, despidas de folhas, mas carregadas de flores, embrião do fruto.
Parece que algum Deus quis cobrir com flores, o nu daqueles troncos, daqueles ramos…
Este despontar da Primavera, transporta-me para os Jardins de Éden, primórdios da humanidade, quando Adão e Eva também viviam nus, na sua pureza, sem pudor, e somente o seu acto irreflectido, ao comerem o fruto proibido, alterou este estado de coisas e fez nascer a vergonha.
Nesta analogia da existência, a natureza e as mulheres simbolizam o que de melhor há na vida: se a natureza esconde a nudez das árvores com flores, a vida cobre as mulheres com as mais diversas indumentárias, esquecendo que as paixões mais ardentes não se cobrem com pudicos trapos.

Quinta do Anjo, 23 de Fevereiro de 2009

A censura e a consequente apreensão pela PSP, em Braga, dum livro de Catherine Breillat, ‘Pornocracia’, cuja capa mostra uma mulher nua, uma pintura de Gustave Courbet, ‘A origem do mundo’, tem toda a razão de ser, ofende os costumes: sim não é possível, nos dias de hoje, em pleno século XXI, uma mulher tapar a vulva, o órgão genital, com uma 'roupagem' daquelas!


Loures, 24 de Fevereiro de 2009

Dia de Entrudo, dia que antigamente era marcado pelo adeus à carne – ‘carne vale’ -, dia de Carnaval!
São três dias de festejos, de foliões e de brincadeiras, uma data que em muitos países, muitas terras, mas especialmente no Brasil, quase vale tudo. Se temos de dizer adeus à carne, nada melhor, em todos os sentidos, do que um empanturrar da mesma!
Estes dias e esta associação de ideias, faz-me lembrar um filme que vi na minha juventude - ‘A Grande Farra’ -, em que os protagonistas passam o tempo a comer, a beber e a fazer amor. O Carnaval é, na realidade, uma grande farra!
Esta época é um lenitivo para esquecer as agruras do quotidiano, momentos em que mostramos uma máscara de fantasia, diferente daquela verdadeira, que vamos exibindo no andamento da vida.

Portinho da Arrábida, Setúbal, 25 de Fevereiro de 2009

Arrábida, serra, Portinho da Arrábida, mar.
Dois encantos da minha existência: serra, paraíso do meu espírito; mar, fascínio dos meus sentidos!
Admiro a paisagem da serra, o cume, as colinas ondulantes, o vale, o mato e as árvores rasteiras, imagino um corpo de mulher; vejo as águas do mar, a ondulação suave, o azul do céu confundindo-se com o azul da água, contemplo o encanto da natureza.
Olho o Oceano, olho o horizonte, tento agarrar o mar, tento segurar o mundo… Puro engano, tudo é efémero, tudo é ilusão: agarro a água e a mão apenas fica molhada; seguro a areia e o mundo esvai-se por entre os dedos!

Quinta do Anjo, 26 de Fevereiro de 2009

Durante a nossa existência, temos locais, temos momentos de paixão, temos momentos de felicidade!
Por vezes estes lugares, estes instantes, marcam-nos de forma indelével para toda a vida.
Os locais podem ser belos, aprazíveis, ou apenas lindos aos nossos olhos apaixonados: um hotel junto ao mar, uma casa rústica no campo, um restaurante no meio do lago, uma viagem a Veneza, mas também um passeio em montanha de paisagem agreste, um encontro em terra inóspita…
Anos passados, recordamos, quase sempre, com nostalgia, esses instantes maravilhosos que passámos, e muitas vezes queremos repetir essas experiências, todavia, quase sempre com resultados negativos.
Há uma expressão popular que diz: ‘não voltes a um lugar onde já foste feliz’!
Este ditado encerra muita verdade, não é fácil repetir a felicidade vivida, temos sempre de descobrir novos lugares, novos momentos de felicidade…
No entanto, há locais, há situações, que não esquecemos jamais e, de vez em quando, regressamos, não para matar saudades, mas para descobrir se o espírito dessa felicidade ainda se mantém presente, se ainda está vivo.

Quinta do Anjo, 27 de Fevereiro de 2009

Vislumbre da Primavera num dos últimos dias de Fevereiro:

Em vez de nuvens cinzentas; o azul do céu!
Em vez de chuva; sol!
Em vez de mar tempestuoso; calmaria!
Em vez de tempo frio; amenidade!
Em vez de vento uivante; suave brisa!
Em vez de pássaros mudos; andorinhas!
Em vez de campos desflorados; flores!
Em vez de rostos sombrios; sorrisos!
Em vez de amores moribundos; paixões!

Em ti, meu amor, todas as estações são Primaveras!

Quinta do Anjo, 28 de Fevereiro de 2009

Durante a vida bebi muitas águas lamacentas, muitas águas inquinadas!
Também bebi muitas águas puras e cristalinas: bebi, com sofreguidão, a prosa de Júlio Dinis (na adolescência), John Steinbeck, Emílio Zola, Jorge Amado e Ferreira de Castro, a poesia de Federico Garcia Lorca, Florbela Espanca, Barbosa du Bocage, Luís de Camões e Miguel Torga; bebi, com deleite, a música de Patxi Andion, Jacques Brel, Compay Segundo, Cesária Évora, José Afonso, Madredeus, Giuseppe Verdi e Richard Strauss; bebi a virgindade das águas da minha terra; bebi a fascinação das águas do mar, das ondas e das ninfas dos meus sonhos; bebi o deslumbramento das serras, montes e vales, campos e planícies; bebi, com paixão, a beleza das mulheres e o lindo dos teus olhos…
Tantas águas tenho bebido no caminho da vida, águas puras, águas salgadas, mas quanto mais bebo, mais sei, que nunca vou conseguir saciar a sede do meu ser!

Quinta do Anjo, Fevereiro de 2009

Carlos Manuel F.Gonçalves

1 comentário:

DIFERENTE disse...

Boas mensagens!!!
Parabéns!

ASS: Diferente