sexta-feira, 27 de março de 2009

V E L H I C E

O C A S O

Hoje, em passo dolente, caminho; amanhã, em passo cansado, arrasto-me… rumo à velhice!

Velho! Só a simples palavra me faz sofrer, me atormenta, me causa angústia…

É vê-los, em grupos, em ajuntamentos, em volta dum banco de jardim, numa mesa duma qualquer sociedade de recreio, numa qualquer cidade, numa velha taberna ou café, numa qualquer aldeia do interior desertificado, num lar, num qualquer lugar…

Pessoas sós e nostálgicas, procuram o calor dum semelhante, que lhes faça esquecer a solidão da vida, o vazio do final da existência…

Juntam-se, jogam às cartas, normalmente a sueca, jogam xadrez, dominó e damas, jogam um jogo, não para ganhar algo, jogam para perder o tempo!

Não gostava, amanhã, de entrar neste jogo. Há coisas mais importantes a fazer no entardecer, do que viver vegetando. Gostava de morrer, vivendo e não de andar no crepúsculo, morto!

Não, não quero deixar envelhecer o espírito, as células do corpo vão-se deteriorando e isso nada posso fazer, mas o espírito sou eu, a inteligência é minha e enquanto o velho coração for sensível, a razão vai acompanhar o meu ser criança, vai acompanhar a minha originalidade da vida.

Não, não quero me enclausurar, não quero ser mais um do grupo, não quero sentir a piedade do mundo hipócrita, quero viver solto, quero andar pelas planícies, pelas serras, por montes e vales, ler um livro sentado numa qualquer fraga, escrever um hino à beleza, ouvir os sons da natureza, cheirar o perfume dos campos, admirar o voo e o cantar dos pássaros, sentir o sol e o vento me acariciar ou fustigar o rosto, tirar um fruto duma qualquer árvore, colher uma flor…

Quero sentir a liberdade no ocaso da existência, a liberdade que só senti no amplexo da natureza, escutar o zumbir das abelhas e o cantar da cigarra, gargalhar como as raposas e uivar como os lobos na serra, sentir que a irracionalidade dos animais é mais pura do que a racionalidade dos homens, gritar e ouvir nas montanhas o eco da minha loucura lúcida, desnudar-me, beber e tomar banho naquele ribeiro de águas límpidas e virginais, lavar o corpo sujo e a alma impura, sentir-me Adão na inocência do primitivo da vida.

Não, velho, não! Por favor, vida, não profanes os meus sentidos, deixa-me viver como eu sou, nesta ânsia de nascer todos os dias, e quando eu não te poder acompanhar, deita-me naquele vale verdejante, adormece-me sob a sombra daquele salgueiro, símbolo da imortalidade da alma, que aquela flor além, aquela rosa, deixe em mim o êxtase do eterno perfume da vida.

Quinta do Anjo, 15 de Março de 2009

Carlos Manuel F.Gonçalves

(Jornal de Arganil nº. 4192 de 9 de Abril de 2009)