quarta-feira, 30 de maio de 2007

TRAVESSAS (11) - Acácio Gonçalves 'O Acácio das Travessas'


Acácio dos Santos Gonçalves, nasceu em Travessas no ano de 1923, se fôsse vivo teria agora 83 anos!

Faleceu faz 10 anos, no dia 11 de Novembro, dia de S.Martinho!

Existe a ideia de que a nossa vida apenas tem dois dias: a data do nascimento e a data da morte!
Quando vamos a um cemitério e olhamos as várias lápides ali existentes, o seu dizer singelo traduz esta realidade:
'Fulano tal ... Nasceu em ... Morreu em ...!
A diferença entre estas duas datas é um interregno da vida, uma imagem que perduará, ou se extinguirá, consoante as acções
que marcam a nossa passagem por este mundo.

Acácio Gonçalves, 'o Acácio das Travessas', neste seu interregno, foi uma figura da nossa terra que ficará para sempre na
memória das nossas gentes, uma figura marcante da era em que
viveu, um exemplo para as gerações vindouras, um símbolo dum mundo que, infelizmente, vai desaparecendo!
Era um homem que fazia da convivência um devotado culto,
nada na sua vida era mais importante do que o amor pela familia e a amizade dos amigos.

Teve uma vida dura: a juventude em terra agreste, trabalho no duro campo e nas minas de volfrâmio, numa época particularmente dificil,
altura da 2ª Guerra Mundial, de seguida a ida para Lisboa, um
trabalho de escravo, de dia moço de armazém, de noite embalador no antigo Jornal 'O Século', ganhando salários miseráveis e
sentindo na pele a nostalgia da mulher e dos filhos, na angustia da distância...

Em Lisboa encontrou muitos conterrâneos que, tal como ele, alí foram procurar meios de subsistência, com especial saliência para
Silvério Neves, Manuel Loureiro, António Simões, Benjamim Gomes,
Alfredo Gomes, Manuel Moreira e outros amigos que com ele comungavam as saúdades da terra.
Nas 'tascas' do Bairro-Alto e da Mouraria, os copos de vinho e as doridas vozes fadistas iam escondendo a solidão e as brumas
duma vida de muita pouca esperança...

Mais tarde e depois de reunida a família, com a ida para Lisboa da mulher e filhos, a vida permaneceu dura, mas aí, já com o apoio
dos ente-queridos, foi mais fácil lidar com a crueza duma luta que
afinal foi o apanágio duma vida.

Com o passar dos anos e depois do desaninhar dos filhos, ressurgiram as saudades da terra, o chamamento das origens
foi mais forte, e o regresso a Travessas inevitável!

Voltou, agora para ficar, e como nunca foi homem de cruzar os braços, encetou uma nova fase da vida, o trabalho no campo,
o substituir a antiga e obsoleta vinha dando-lhe novas castas, pondo
árvores de fruta em locais outrora proíbidos, a terra era pouca para semear, dando ao campo uma marca muito pessoal, que fez escola
e que os vindouros foram aperfeiçoando.

A par do trabalho nas suas parcelas de terra, dinamizou, com o apoio de muitos amigos e também com muita luta, as melhorias e
benfeitorias para a sua terra, de que todos hoje nos orgulhamos.
Com esta luta conseguiu-se uma estrada, mais tarde alcatroada, o alargar e cimentar das ruas, o embelezamento do largo do Cabeço,
nossa sala de visitas, o arranjo da Capela da N.Sª. da Paz,
o abastecimento adequado da água às nossas casas, a melhoria da rede eléctrica, o telefone... Enfim, Travessas passou a ser uma terra
de progresso, admirada por todos que a visitam.

Colaborou em diversos eventos festivos, hoje uma recordação, como festas em honra da Padroeira, almoços/jantares de
confraternização, qualquer motivo servia para juntar o povo, com que alegria acendia o tronco de Natal, ou as fogueiras do S.João!
Na sua época, a qualquer momento se podia ouvir um foguete em Travessas, isso era sinónimo de anúncio para um qualquer
acontecimento, ou simples pretexto, em que o convívio e a
amizade eram na realidade o mote para alguns momentos bem passados.

Uma outra faceta da vida deste homem, foi um condão que, infelizmente, nos dias de hoje, nem todos conseguem: o dom de
fazer amigos!
A sua casa passou a ser um lugar de paragem obrigatória! As portas estavam sempre abertas para receber a família, os amigos,
ou simples visitas! Para todos havia sempre um bocado de
queijo, um pedaço de presunto, um bocado de broa, um copo de vinho e uma palavra amiga.

Partiu, faz agora 10 anos! Foi um homem do povo, um homem simples, mas de carácter, que fez muita falta a esta aldeia.

Acácio Gonçalves, mais conhecido pelo 'Acácio das Travessas', vai continuar presente na memória desta terra, terra que tanto amou,
assim como no coração e na lembrança dos familiares e amigos.

(Até amanhã, meu pai!)


Travessas, Outubro de 2006


Carlos Manuel F.Gonçalves

(Jornal de Arganil nº. 4065 de 2 de Novembro de 2006)