quarta-feira, 30 de junho de 2010

ALMA PERDIDA



O meu corpo voa em chamas,
Disperso nas sombras do mar.
Tu andas com quem não amas,
Eu amo quem não posso amar.
Em ondas de desacerto,
São saudades que liberto!


Triste falar de saudade,
Neste viver sem sentido,
Alma louca, tempestade...
Ando na vida perdido,
Nada do meu corpo é meu,
Nada do que eu sou, sou eu!


Carlos Manuel Fernandes Gonçalves

Quinta do Anjo, 5 de Março de 2010



terça-feira, 22 de junho de 2010

LENDAS DA ALDEIA - Amor [i]mortal!



A manhã tinha nascido esplendorosa, como lindos são os últimos dias da Primavera, na passagem do testemunho ao Verão. Mês de Junho, dos Santos Populares, do final da época de estudos, do inicio das festas da aldeia, uma época em que o calor do clima se transmite às ardências do corpo.

Madalena, como sempre, levantou-se cedo. Quando a primeira claridade do alvorecer lhe entrava pelo quarto, era vê-la a saltar da cama, a fim de preparar a faina diária, que, na sua qualidade de serviçal, constava do trabalho doméstico, guardar gado, ir buscar mato para os animais e lenha para a lareira, assim como ajudar em todas as tarefas do campo, relacionadas com as sementeiras sazonais.

Madalena era jovem, tinha 16 anos. Pequena, roliça, um ar acriançado, rosado, risonho, em corpo de mulher. Estava a servir há já alguns anos, na casa de uns lavradores abastados de uma aldeia, Travessas, uma terra perdida lá nos confins da Beira - Serra. Nesta época era hábito as pessoas de menores posses e com muitos filhos, devido às carências económicas, entregarem as suas crianças a famílias de melhores recursos, ficando à guarda destas, na qualidade de criados, não lhes sendo dada a possibilidade de estudarem ou mesmo brincarem. A maior parte destas crianças tornavam-se mulheres adultas na adolescência, muitas vezes com casamentos precoces e forçados, na lavagem da honra e na ignorância vivida nestes ambientes rurais.

Naquele dia, depois de tomar o pequeno - almoço, eram 7 horas da manhã, pegou na enxada e na roçadora e rumou para o Porto Cimeiro, uma fazenda um pouco distante, mas em que se cultivava quase tudo, hortas, milho, batatas, cebolas, feijões, vinha... Era necessário regar as sementeiras, os dias estavam quentes, os solos pediam água, para poderem manter todo o tipo de colheitas que a terra ia germinando.

Quando chegou, o Sol banhava as serras, os montes e os vales, a antever mais um dia de muito calor. Nesta altura do ano, somente se trabalhava nos campos num horário restrito: de manhã, até cerca do meio-dia, ou mesmo um pouco antes, e de tarde, apenas depois das 17 horas, ou mesmo um pouco depois.

Quando já tinha destapado as poças da água e a mesma já corria na rega da horta, chegou o filho dos seus patrões, um jovem um pouco mais velho, que era a sua paixão. Conheciam-se há quase seis anos, desde a data em que ela tinha chegado para servir, e logo no primeiro momento houve uma empatia mútua, apesar das barreiras existentes entre patrões e criados, mas eram ambos crianças e essas diferenças foram sendo atenuadas, apesar da oposição dos progenitores do jovem.
Em momentos, tinham trocado carícias e beijos, às escondidas, nos mais recônditos lugares e à noite, à luz da Lua, havia promessas e desejos em olhares apaixonados. Ambos estavam virgens do corpo e sentimentos, e o sangue ardente da adolescência dava-lhes visões loucas de entrega e posse, que não conseguiam disfarçar.

Depois do beijo matinal, cada um foi cuidar das suas tarefas, Madalena a tratar da rega e Francisco a cuidar da vinha e das árvores de fruto.
Nesse instante, cerca das 9 horas da manhã, começaram a surgir, na Serra da Barroca Larga, nuvens, tipo castelo, a manhã, até aí quente e calma, transformou-se em ambiente soturno, abafado, uma atmosfera pesada de tormenta, e o vento, até aí suave brisa, surgiu do nada, colérico e ameaçador. Era o ambiente típico das trovoadas, mais frequentes no mês de Maio, mas igualmente normais nesta transição das estações.

Madalena tinha medo, mesmo pânico, destas situações, toda ela tremia na visão dos relâmpagos e no ribombar dos trovões e nesta ocasião, mais uma vez, não fugiu à regra. Quando as nuvens escuras se aproximaram e o som da trovoada se fez ouvir ao longe, chamou por Francisco e logo após as primeiras gotas de chuva começarem a cair, recolheram a uma casa de arrecadação próxima, um palheiro, local onde guardavam ovelhas e cabras, algumas ferramentas, ervas e feno para os animais.
Quando a trovoada chegou, o dia fez-se noite, iluminado pelo relampejar constante, os trovões ensurdecedores e a chuva diluviana.
Madalena, toda ela se aconchegou, perdida de medo, no peito do seu jovem companheiro, que a abraçou e beijou, acalmando-a na doçura das suas palavras.
E no momento em que a tempestade estava no auge, os jovens esqueceram o ambiente exterior, tombaram nos lençóis de feno e aí se entregaram, pela primeira vez, à tormenta dos desejos. Nesse momento foram duas tempestades em confronto: lá fora, a tormenta da natureza; dentro do casebre, a loucura dos corpos.
Depois do temporal, o sol voltou a brilhar, no ar o odor do perfume da terra, os campos brilhando, cor arco-íris, na reflexão dos raios solares, as plantas absorvendo as últimas gotas da chuva… Dentro do palheiro ficou uma cama de feno revolta, vendo-se umas manchas vermelhas, símbolo de uma virgindade perdida.

A partir deste dia, Madalena e Francisco, procuravam todos os momentos para estarem juntos e saciarem a sede dos seus sentidos: Madalena fazia-o por paixão, amava Francisco com toda a sua alma, quase desde o primeiro momento em que se viram; Francisco, embora sentisse amizade e simpatia pela jovem, apenas procurava saciar a sede e as ardências do corpo.

Alguns anos volvidos, o jovem foi para a tropa, para Lisboa, por lá andou, namorou e casou, esquecendo Madalena, que angustiada vivia na aldeia a ausência do seu amor. Mais tarde, desiludida, e depois de muito assediada por um rapaz de uma aldeia próxima, acabou, também, por casar e construir uma nova vida, na terra do seu marido.

Parecia tudo bem, os dois jovens cada um seguindo a sua vida, Francisco em Lisboa, Madalena numa aldeia próxima da Lousã.
Os anos passaram, ambos os casais tiveram filhos e a vida seguia o seu rumo. Francisco esqueceu a sua amada da juventude, Madalena nunca esqueceu, as marcas ficaram para sempre marcadas no coração e na alma.

Um dia, tempos passados, quando o comboio fazia o trajecto habitual, Serpins - Coimbra, foi um maquinista horrorizado que ao dobrar uma curva da via, viu aquele vulto de mulher caminhar para ele, serenamente, braços abertos, como se quisesse um derradeiro abraço do seu eterno amor.


Carlos Manuel Fernandes Gonçalves

Quinta do Anjo, 22 de Junho de 2010


sexta-feira, 4 de junho de 2010

TERRA ARDENTE […paixão]!



Terra… terra da minha terra!

Terra preta, castanha, barro, dura, mole, pó… Estrada da minha vida, abraçando os promontórios, beijando a raiz das árvores, voando nos sonhos do vento, acariciando-me os pés quando a piso, fundamento na subida ao etéreo…

Terra, no selvagem e fome de mim, profanei-te, quando te desbravei, desnudei, cavei e esventrei, em troca, numa orna de misticismo, deste-me prados verdejantes de jardins floridos, árvores de doces frutos suspensos no infinito, searas douradas de ondulante pão, regatos povoados de virgens águas…

Terra, que foste o meu lençol quando a minha manta era o céu, o meu perfume quando as chuvas de verão entravam em ti, o meu sabor quando te comia misturada com o pedaço de broa, a minha sede quando te bebia no salgado do suor do rosto…

Terra, na perdição dos dias, em que me faltam horas e sobram silêncios, deixo passar o tempo no desbaratar da vida, mas nunca te esqueço, sou o amante que tarda mas sempre regressa, porque te quero, porque te amo…
Quando chego ao íntimo de ti, não me inclino para saudar-te, tu sabes:

Quando te piso
E te violo ao passar,
Meus pés são beijos,
Ânsias, desejos…
Loucura de te beijar!


Terra, deusa minha, culto eterno da minha vida! Em ti descobri a paixão dos meus sonhos, bebi na inspiração da tua poesia, ouvi melodias no grito dos meus silêncios, vivi quimeras na visão de mouras encantadas naquela caverna do meio da serra…

Terra, na imagem do teu relevo, no encanto dos montes e vales, no fascínio dos socalcos e veredas, os meus olhos vislumbram, reflectido na luz, na refracção utópica dos devaneios do meu ser, o êxtase dos meus desejos, o teu corpo de mulher.

Terra, amanhã, vou dormir contigo, ficar em ti, perpetuar os nossos beijos, num abraço sem fim!

Carlos Manuel Fernandes Gonçalves

Quinta do Anjo, 30 de Maio de 2010