domingo, 29 de abril de 2007

TRAVESSAS - Inverno...brumas




TRAVESSAS (10) - Inverno


Dias de Inverno!

O vento uiva nas despidas carvalhas do Cabeço;
A chuva fustiga os telhados das velhas casas;
O frio cai sobre a natureza, gela os nossos corações;
A geada branqueja os campos, escurece a nossa alma;
A neve veste a serra com um manto diáfano de brancura, manto esse que o fugídio sol vai desnudando nas suas raras aparições;
O nevoeiro transforma o amanhecer no crepúsculo do ocaso;
A água corre por montes e vales, enchendo os socalcos e os barrocos, tropeçando nas pedras soltas e nos ramos tombados
das árvores, saltando por entre penhascos em cascatas de espuma...

Neste ambiente depressivo, as pessoas das aldeias, na sua maior parte na fase do entardecer, fecham-se nas suas casas,acendem a lareira, pensam na família por vezes distante, veêm as noticias na
televisão e vão para a cama, onde durante doze longas horas, pouco dormem, mas revivem a mocidade distante, vivem a angústia
da solidão e por fim aguardam ansiosos a aurora do novo dia.

Esta estação do ano é, sem dúvida, a mais triste, a mais sofrida, especialmente para quem vive só!
O negrume do quotidiano, o silêncio dos gritos da vida, o vazio dos dias sem esperança!
Mesmo os passarinhos, habitualmente tão esfusiantes nos seus voos e cantorias, também se escondem, quase desaparecem, apenas ali
um triste pisco, com a sua gola amarela em volta do pescoço, olha
sem ver a solidão dos campos, talvez pensando porque fugiu o seu companheiro, talvez tenha morrido, sentindo que os filhos
desaninharam, foram para longe, talvez não voltem...

Inverno é velhice assumida, é branco, é cinza, é grisalho, é como a despedida de um grande amor!

É a estação do nosso descontentamento, o fecho de um ciclo, mas também o dealbar de uma nova Primavera!

Quantas vezes ouvimos dizer aos mais idosos: 'passou mais um Inverno, já vivi mais um ano'! É assim a sabedoria do nosso povo, eles sabem que com o Inverno passado, o pior já passou!
Nem sempre, infelizmente, esta crendice é verdadeira, mas é bom
ver o sinal de esperança e de fé de quem sempre lutou e sofreu.
Toda a juventude devia saber ouvir e assimilar os conhecimentos, a experiência da vida dos mais idosos!
O futuro constrói-se com a cultura dum povo, mal daqueles que renegam o seu passado, as suas origens!
Todos os dias desenvolvemos o intelecto, existe mesmo uma frase muito conhecida, que diz: 'quanto mais sei, mais sei que nada sei'!
Nada mais verdade, aprender até morrer e saber ouvir quem já muito viveu, é uma das melhores formas de cultura.
Os mais velhos são, muito das vezes, ignorados e desprezados pelos
poderes instituídos, pela sociedade! Abandona-se quem gerou aquilo que somos, renuncia-se aos valores que nos transmitiram, obscura-se
o saber da razão! E é ao olvidar estes valores que nos tornamos mais
primitivos, mais irracionais! Desenvolvemos muitas coisas novas, vamos cada vez mais longe, mas perdemos principios, não sabemos
ser uma família, não sabemos construir a paz, vivemos, mas não sabemos amar...

Inverno, é o simbolo da angústia, da intolerância das mentes, da opressão dos sentidos! Se os naturais das nossas aldeias tivessem o dom da omnipotência, não existiria esta estação, mas como tal não é possível,todos esperam ansiosos pela sua partida, que os lindos dias de Primavera cheguem depressa,a bruma se esconda para
lá do horizonte, os campos se encham de flores, o vento seja suave brisa, o céu azul cintilante, o sol aqueça os nossos corações, o cuco
regresse de novo, mesmo que seja para pôr os ovos nos ninhos das
outras aves, as andorinhas voltem aos seus lares nos beirais das nossas casas, a água deslize docemente no seu leito virginal,
e que os mais idosos nos contem sábias histórias, nos ensinem o verbo amar e a forma de construir o futuro...

Travessas, Janeiro de 2004


Carlos Manuel F.Gonçalves

(Jornal de Arganil nº. 3924 de 19 de Fevereiro de 2004)

terça-feira, 17 de abril de 2007

TRAVESSAS - Passado e Presente


TRAVESSAS (9) - As Casas da Minha Terra


Na minha infância as casas da minha terra eram negras!
Os telhados em pedras de lousa, negros!
As paredes do exterior e interior em pedras de xisto, negras!
As cozinhas devido ao fogo das lareiras, negras!
Os utensílios, panelas, frigideiras, tachos, negros!

Era uma terra escura, como sombria era a alma daquela boa gente que alí vivia.
A segunda guerra mundial tinha terminado há pouco tempo e embora Portugal não se tenha envolvido directamente nesse drama, sofria no
aspecto económico, o qual agravava ainda mais as condições aviltantes do povo rural,com uma agricultura apenas de subsistência,
em que se comia batatas com hortaliça, a sardinha e o chicharro
eram repartidos, a broa e a sopa completavam as refeições, dia após dia.

Nesses tempos degradantes e de muito sofrimento, os homens da terra na sua angústia de não terem trabalho retribuído, tinha acabado
o trabalho nas minas de volfrâmio, minério este que sustentava uma parte dos interesses na guerra, emigravam para Lisboa na ânsia
do eldorado que lhes permitisse uma melhor forma de sustentarem
a mulher e os filhos, estes que ficavam na aldeia: a mulher a trabalhar no campo e os filhos a estudar, quando pequenos,
ou mais tarde na ajuda dos trabalhos agrícolas.

Tudo isto era uma ilusão! Os homens em Lisboa, sózinhos, a viver em casas de hóspedes, três e quatro num simples quarto, trabalhando
de dia e de noite, com salários miseráveis, comendo mal, sofrendo a nostalgia da distância, nessa altura os homens visitavam as mulheres
e os filhos uma ou duas vezes por ano, sentindo que não conseguiam
amealhar quase nada, depois de pagar a pensão, o comer e o gasto com algumas rameiras que generosamente lhes abriam o seu leito,
sobravam apenas migalhas que se esvaíam em nada quando na
altura de fazer contas na visita à sua terra.
A mulher, coitada, só e abandonada, a trabalhar e a tomar conta dos filhos, sem dinheiro, ia vivendo a angústia dos dias sem esperança,
numa atmosfera deprimente, a juntar ao negrume das próprias casas.

Mais tarde os homens entenderam que aquela forma de vida não era a ideal e tomaram a iniciativa, lógica, de fazerem a junção das familias. Assim, ou em Lisboa, ou em Travessas as pessoas passaram
de novo a ser famílias.

É nesta fase que aparecem as primeiras casas brancas na minha terra!
Com a familia de novo unida e as consequentes vantagens dessa união, com o facto dos filhos já poderem, trabalhando, dar alguma
ajuda financeira e também porque a vida na sua evolução natural proporcionou alguma melhoria, os naturais de Travessas começaram
a dar um aspecto novo, diferente, às suas casas: substitui-se as
lousas por telhas, as pedras de xisto foram, ou escondidas, ou mudadas para tijolos e cimento, as cozinhas ficaram brancas com a
chegada dos fogões a gás, enfim as casas tornaram-se brancas, a minha terra ficou mais linda.

A vida evoluiu, ficou melhor! O passado negro não deixou saudades! Por vezes oiço pessoas, nostálgicas, falarem dos seus tempos, que
nessa altura tudo era melhor, agora é só desgraça, coisas más: guerras, ódios,roubos, droga, etc., etc...
Na minha modesta opinião estas pessoas não têm razão! O presente pode não ser o que todos nós gostariamos, mas guerras, ódios,
roubos, coisas más, sempre houve. Hoje há progresso, todos os dias acrescentamos coisas novas ao futuro. A vida passada era uma vida
dura, de muita luta e pouca esperança e se muitas vezes ouviamos
as pessoas cantando nos campos, isso não era um cantar de alegria,
um cantar de confiança, mas sim uma forma de expandir mágoas, o triste fado duma vida em que o comer era pouco, a maior parte das
aldeias não tinha estrada, não havia electricidade, água nas casas, ou
telefone para falar aos ente-queridos.

Hoje, felizmente, todos nós vivemos melhor, temos uma terra maravilhosa, as casas são acolhedoras, temos tudo que o progresso
nos deu, apenas ansiamos por mais saúde, amor e paz.

E por falar em progresso e em esperança no futuro, eu, que não me recordo de se construir uma casa de raiz na minha terra, apenas
arranjos e reconstruções, aqui saúdo com enorme júbilo o facto da Maria Carlos/A.Augusto, terem feito aquilo que em meio século não
foi visto em Travessas: uma casa nova! Para eles a realização de um
sonho, para nós a felicidade de estar com eles, o agradecimento por não terem esquecido a terra dos seus pais, a terra que agora também
é deles, um evento que, acreditamos, será o embrião de futuras transformações nesta Travessas que amamos, a nossa terra!

Travessas, 11 de Dezembro de 2003


Carlos Manuel F.Gonçalves

(Jornal de Arganil nº. 3918 de 8 de Janeiro de 2004)

segunda-feira, 16 de abril de 2007

TRAVESSAS - Outono...nudez!


TRAVESSAS (8) - Outono

OUTONO - INQUIETUDE

Hoje é dia 11 de Novembro, dia de S.Martinho.
Dia normalmente alegre, dia das castanhas e da prova do vinho novo.
Dia soalheiro, verão de S.Martinho!

Para mim, angústia, inquietude!
Piso um tapete de folhas secas, amargura de vida perdida!
Queria ser poeta, mas não consigo rimar!
Queria ser escritor, mas não consigo a prosa!
Que se passa, meu Deus, se o céu está azul e o sol é quente?
Porquê? Sim, porquê, esta angústia, este desejo de nada ser, esta ânsia de desaparecer!
Porquê esta opressão, esta agonia dentro de mim, se não há nuvens no céu, o vento não uiva e não se vislumbra tormenta no horizonte?

(Para ti, pai, a minha homenagem, a minha saúdade, a minha forma de estar contigo!)

Na vida há duas idades dos porquês: a infância e a fase madura que antecede a terceira idade, mais tarde somos de novo crianças e o
ciclo repete-se.
Se na infância, ingénuamente, perguntamos como vai ser a vida, mais tarde interrogamos a razão dessa mesma vida.
Tantos sonhos, tanta esperança e finalmente tanta frustação, desilusão, tantas interrogações...
Será que a vida é por natureza má, ou somos nós que a fazemos assim?
Porquê tanta ganância, tanta ambição desmedida, tanto ódio no mundo, se a passagem é efémera, as crianças quando nascem
são puras, a natureza é deleite e o sonho comanda a vida?
Por vezes fico pensando, como é possível tanta maldade, tanto egoísmo, se a terra é eterna, se os rios mesmo quando saem do
seu leito continuam a correr, e nós somos apenas migalhas
de um festim de interesses, julgamos viver, mas vegetamos, isso sim, ao sabor de conveniências mesquinhas, somos marionetas
num mundo que não aceitamos mudar.

Depois desta angústia, desta emoção derrotista, o que resta?
O fim? Não! O mundo não para e a vida continua.

Para o ano teremos mais um dia 11 de Novembro, dia de S.Martinho!
Este dia será sempre um dia amargurado, um dia perturbado na minha vida, todavia há mais dias na vida de um ano.
É urgente erguer a cabeça, olhar em frente, sentir que o nosso contributo na construção dum mundo melhor é fundamental.
Não podemos deixar que os outros façam por nós aquilo que
nós temos de fazer.
Amanhã o sol vai nascer de novo, a chuva vai manter-se afastada e o frio tarda em chegar!
Este Outono, estação do ano, para uns será Outono da vida! Não podemos, no entanto,jamais esquecer que se, infelizmente, alguns
conseguem transformar a Primavera das suas vidas em decrépitos Invernos, outros, de forma radiosa, conseguem transformar o seu
Outono em brilhantes dias de Verão. Os nossos passos vão seguindo o seu destino, é assim a vida, inquietude, mas também esperança.

(Texto em memória pelo dia de S.Martinho de 1996 - a ti pai!)

Travessas, 11 de Novembro de 2003


Carlos Manuel F.Gonçalves

(Jornal de Arganil nº. 3915 de 18 de Dezembro de 2003)

quinta-feira, 12 de abril de 2007

Celavisa - A Escola


TRAVESSAS (7) - Recordações da Infância - A Escola

Quando recordamos a nossa infância há sempre uma época que consideramos muito especial e que trás à nossa lembrança alguns
momentos bons e outros menos bons, mas sempre com aquela irreverência própria da ingenuidade desses verdes anos e que são
os tempos passados na antiga instrução primária, ou sejam os normais quatro anos que eram necessários para conseguirmos a 'formatura' na 4ª classe.

A Escola para a 'criançada' de Travessas era ali em Celavisa, mais ou menos a uma distância de 3/4 Kms., distância essa que percorriamos
em cerca de uma hora, com condições climatéricas por vezes bem adversas, como o calor abrasador no Verão, o frio e a geada no
Inverno e por vezes também nevava um pouco, neste caso para alegria da rapaziada.

Desses tempos, 1956-1960, recordo alguns amigos como o Casimiro, Arménio e Filomena, que comigo viveram algumas 'estórias' dignas
de serem contadas.

Recordo que para chegarmos mais depressa inventámos uns pneus de bicicleta ou de motorizada, que com uma vareta apropriada a servir
de tracção, nos ajudava a percorrer esses caminhos (não havia estrada) a uma velocidade tal que quando chegávamos ao S.João
ainda a Filomena não tinha chegado à antiga Volta Cimeira. O pior era o regresso com o pneu às costas por essa ladeira acima.
Mais tarde inventámos as bicicletas feitas de madeira, mas essas,
na vinda, ainda era pior porque pesavam mais!
Em determinados momentos estes meios de transporte não contribuiam para uma maior rapidez, porque, por exemplo,
aos Sábados apesar de sairmos cerca da 1,00 da tarde, a hora da chegada, muitas vezes, era quando a antiga camioneta
do correio passava, ou seja 4,30/5,00 da tarde! Desvios por outras paragens a que não eram alheios os ninhos na Primavera.

Também nessa época, embora não houvesse verdadeiramente fome, o comer não era de todo abundante!
Assim, toda a fruta existente no trajecto Travessas-Celavisa era nossa, por razões óbvias! Um dia estava eu em cima de uma pereira
(ou macieira?), com o Casimiro de guarda ao dono, quando apanho com o 'dito-cujo' a agarrar-me a perna e foi com muito custo que
consegui 'dar aos penantes' dali para fora. O Casimiro tinha-se distraído, coitado!
Esta cena deu azo a que que depois da queixa formal do dono à nossa professora, eu tenha apanhado uns pares de réguadas', que nessa época as faltas pagavam-se desta forma.

E isto das 'réguadas' faz-me lembrar que, embora não fosse na realidade mau aluno, sofria algumas vezes este castigo derivado
de alguns actos menos disciplinados. Por exemplo, no caminho da escola, ali perto da Alagoa, existia uma casa com galinhas e também ovos.
Ora nós iamos lá 'surripiar' os ovos crús, fazendo um orificio de cada
lado do ovo e depois de bebido o mesmo deixávamos lá as cascas vazias, o que 'enganava' o pobre do dono.
O mais caricato da questão é que nós iamos com o filho do dono da casa, mas quem apanhou fui eu, após uma denúncia duma 'queixinhas' de Sequeiros. O filho do dono ('ti' Sebastião) era
o F. Moura, agora a residir em Góis.
E por falar no Fernando, recordo-me uma vez em que também atacado pela professora de ponteiro na mão, cometeu a verdadeira
proeza de saltar pela janela. Um verdadeiro atleta em formação!

Um outro divertimento que nos dava um certo gozo, era partir os panelos da resina dos pinheiros, que se atravessavam no nosso caminho.
Um dia, estava eu mais o Arménio a transportar em braços os cacos duns tantos que tinham testado a nossa pontaria, para escondê-los
num bosque de silvas, quando aparece o dono com ar furibundo, ameaçando fazer queixa aos nossos papás. Evidentemente
que foi mais uma vez 'pernas para que vos quero' e o receio natural
de 'levar' desta vez com a vassoura. A pessoa em questão era o 'ti' Mário Travassos de Sequeiros e nunca se queixou de nós,
apesar do prejuízo que frequentemente lhe causávamos.

Agora um outro assunto, este um pouco mais sério! Nesses tempos de algumas privações, a Paróquia recebia, julgo que proveniente da
Holanda, leite em pó e queijo em barra, para o lanche diário dos alunos mais necessitados, que pràticamente eram todos. Só que aos
alunos sòmente chegava leite e queijo para o lanche de um dia por semana, o restante era desviado para favores da pessoa encarregada
de o fazer chegar à Escola. Infelizmente estas situações, que hoje
encontramos a cada passo, já vem de longe, sempre em desfavor dos mais necessitados.

Há, evidentemente, muito mais 'estórias' como estas, mas como o texto já vai longo, deixo-vos este pequeno exemplo dum tempo já
distante, em que apesar dos sacrificios e das privações, se recorda sempre com saúdade.

(Este texto é também uma homenagem às minhas Professoras - D.Maria do Rosário, de Torrozelas e D. Palmira Sales de
Sarnadinha/Lousã e aos meus 'camaradas' António M.Bandeira/Sequeiros e M.Cândida/Celavisa, que comigo
terminaram a 4ª classe).


Travessas, Outubro de 2003


Carlos Manuel F.Gonçalves

(Jornal de Arganil nº. 3912 de 27 de Novembro de 2003)

Ervas daninhas... e a água tão cristalina!




TRAVESSAS (6) - As Ervas Daninhas


Escrevi há tempos que Travessas era a aldeia mais bonita do concelho de Arganil, no entanto tinha um senão: tinha poucas ruas!
Na semana passada estive na minha aldeia e verifiquei uma outra situação, esta um pouco mais estranha: Travessas está cheia de ervas daninhas!

Como é possível uma terra linda, com uma paisagem deslumbrante, águas cristalinas deslizando docemente por montes e vales, onde os
pássaros esboaçam alegremente e nos cantam canções da sua liberdade, em que cada palmo de terra representa o caminho
que fomos percorrendo ao longo da vida, aldeia onde o povo
sempre viveu numa comunidade de fraterna convivênvia, sim, como é possível alguém ter aqui semeado ervas daninhas e essas ervas
se terem desenvolvido duma forma jamais imaginada.

Os naturais de Travessas descobriram atónitos um facto novo que julgavam impossível na terra que amam!
Se estes campos sempre deram coisas boas, independentemente de estarem ou não cultivados, não podemos esquecer que as silvas dão
amoras, se a estas terras prestámos a nossa homenagem e cantámos loas do nosso amor, sim porque razão agora ela nos dá coisas más, ervas daninhas!

Coisas estranhas se passam hoje na vida! Ainda não há muito tempo o caminho era único, ouviamos o som de muitos passos que
pareciam um só passo, as vozes na sua diversidade pareciam uma só voz! Hoje, encontramos novos caminhos que ontem não estavam lá
e as vozes soam de lugares diversos, qual sinfonia desafinada, que fere os nossos ouvidos!

Travessas, minha terra, porque deixas que o teu chão que sempre deu pão se transforme agora e dele nasçam essas horríveis ervas?
Sim, nós sabemos que elas vieram de longe, que as suas raízes ainda estão à tona da terra e que dentro em pouco as conseguiremos
extirpar, todavia porque nos castigas com esta praga?

A minha aldeia sempre foi invejada por semear amizade e flores em detrimento de outras que sempre semearam ódio, intrigas e pedras!
Aqui as pessoas falam da familia, dos amigos, dos amores, relembram o passado, vivem o presente e sonham com o futuro!
Não falam do vizinho, esquecem quem um dia os ofendeu e procuram,
sempre assim foi, um momento em que se arruma a enxada, limpa-se o suor do rosto e todos se encontram em alegre cavaqueira,
comendo e bebendo, sardinhas e bifanas na Primavera/ Verão, torresmos e castanhas no Outono/Inverno, sempre na companhia
de um bom copo de tinto.

Travessas tem agora menos gente permanente do que uma vulgar família! E é por essa razão que estamos condenados a continuar a
ser apenas uma família! Podem aparecer essas tais ervas surgindo de locais remotos da nossa existência, todavia, vamos dar-lhes a
a luta que elas merecem, vamos continuar a semear e a regar o
nosso canteiro de flores, na convicção de que no contínuo revolver da terra, conseguiremos debelar toda essa maldição, que assomou,
inesperadamente, neste nosso eterno jardim à beira-serra plantado.

Esta maneira de ser, em que sempre vivemos, vai manternos atentos e vigilantes, somos os firmes guardiões da herança dos
nossos antepassados, não podemos afastar a sua presença dos caminhos que trilhamos, e por eles tudo vamos fazer para que jamais haja ocultos rumos no destino da nossa terra!

Travessas, Setembro de 2003


Carlos Manuel F.Gonçalves

(Jornal de Arganil nº. 3906 de 16 de Outubro de 2003)

quarta-feira, 11 de abril de 2007

TRAVESSAS - Serra da Gatucha


TRAVESSAS (5) - Os Caminhos da Serra

Caminhos da serra, caminhos da minha terra!

Caminhos mais largos, mais estreitos, simples veredas, socalcos no duro chão, por montes e vales, caminhos com nome, caminhos com história!

Na lembrança duma terra recordamos, algumas vezes com nostalgia, os caminhos que percorremos enquanto crianças, trilhos que nos conduziram para a escola, alí em Celavisa, no quente Verão e no
frio Inverno, foram os primeiros árduos passos no dealbar duma
vida de luta para quem nasceu nas esquecidas aldeias deste nosso
Portugal de outrora.
Mas havia outros caminhos que fomos descobrindo no desabrochar dos nossos verdes anos!
Com o alargar do passo, pisámos silvas e tojos, fomos no caminho da serra, talvez no Ventoso, apanhar molhos de mato para os
animais, fomos ao Pardieiro buscar lenha para o forno ou para
nos aquecermos nas longas noites dos Invernos do nosso descontentamento...

Também houve aquela estrada, que percorremos, em idades em que
agora é crime, nos Serviços Florestais, pobres crianças de 11-12-13 anos, plantando árvores, ceifando erva ou abrindo estradões e
aceiros, numa época em que não havia os fogos de hoje, talvez porque o homem ainda não tinha aprendido a maldade e a
ambição desmedida que hoje vemos no caminho da vida..

Mais tarde aprendemos o caminho para a Costa, Vale, Cobão, Porto-Cimeiro, Lameiro-Curral, Abeleiras, Boições...
Tantos e árduos caminhos! Terra dura, dificil de desbravar, terra fecundada pela pá da enxada!
Caminhos com nome, distantes: para lá ia a cesta com estrume à cabeça, as ferramentas e as sementes; para cá vinha a cesta
com as uvas, o milho, as batatas, os feijões e as cebolas, vinha o cansaço do trabalho, misturado com a satisfação do dever cumprido.

Vida dorida, atalhos feitos caminhos, tapete de espinhos, suor quente brotando do corpo...Olhar firme, cabeça erguida,
confiança inquebrável, esperança num futuro sempre melhor...

Admiramos a serra coberta de mato, urzes, carquejas, giestas, moitas, rosmaninho...Ouvimos o cantar do melro, do pintassilgo e
da cotovia... Sentimos o doce encanto da brisa ao entardecer nos acariciando o rosto...
Andamos, lutamos, sofremos, cantamos e rimos! Singular vida do povo da serra, esta gente é feliz na pobreza do seu mundo!
Ninguém entende melhor a força da natureza, a razão do uivo do vento, o porquê da chuva cair dum céu sem nuvens, ou a
trovoada surgir num dia de sol...

Caminhos da minha terra, auto-estradas da nossa estima, imagens da nossa existência!
Por eles transportamos a ilusão dum momento, a angústia da escuridão passageira, o sonho que nunca nos abandona...
Ouvimos o eco responder às nossas perguntas, sentimos nos nossos passos o movimento da vida, murmuramos baixinho palavras
a um amor distante...

Hoje, amanhã, alguns destes caminhos vão enconder-se ou mesmo desaparecer. As silvas, o mato e as ervas daninhas irão apagar o
passado dos nossos passos. A lei da vida é inexorável! Não devemos, todavia, chorar pelas recordações! Talvez amanhã ali vá
passar uma movimentada estrada, ou então alguém desbrave o mato e plante uma árvore... A vida é esperança, o mundo não pára!

E mesmo para aqueles que vislumbram no horizonte o fim do caminho da vida, mesmo para esses há a firme convicção de que
novas gerações irão trilhar esses caminhos da serra, a terra é eterna, o homem morre mas não morrem os seus ideais.

Travessas, Setembro de 2003

Carlos Manuel F.Gonçalves

(Jornal de Arganil nº. 3901 de 11 de Setembro de 2003)

TRAVESSAS - Cabeço


TRAVESSAS (4) - As Carvalhas do Cabeço


LENDAS DA MINHA TERRA

As carvalhas do Cabeço

Uma quadra que ouviamos cantar na nossa meninice dizia:

Adeus lugar das Travessas;
Adeus ao álamo da Bica;
Mesmo que eu me vá embora;
O álamo sempre lá fica!

Não ficou! Há muitos anos que esta mítica árvore desapareceu!

Morreu o álamo, mas não morreram as carvalhas do Cabeço!

Se há simbolo mais emblemático em Travessas, são estas árvores que nos dão as boas-vindas sempre que chegamos à nossa terra.
Quantos anos tem estas carvalhas? Não sabemos, apenas sabemos que são centenárias, as várias gerações passam o testemunho
da sua recordação, fortes e vigorosas, altaneiras na sua magestade...

Estas árvores são amadas por um povo agradecido, são guardas do nosso castelo de portas abertas, embelezam a nossa sala de visitas,
dão-nos o prazer da sua sombra no calor do Verão, despem-se para deixarem passar os raios solares que nos aquecem nos frios dias de Inverno...

Que recordações têm estas carvalhas! Nestes longos anos de vida assistiram a muitos eventos festivos, na carícia dos seus ramos e
do seu benevolente olhar, o povo dançou, conviveu, brincou, jogou e amou. Muita coisa se passou, para trás ficam as recordações das
festas que ali fizemos, dos almoços que comemos, das castanhas que assámos, dos jogos da malha e das cartas, das fogueiras dos
Santos Populares, do mastro do S.João, do beijo que às escondidas ali trocámos...

Também assistiram a outras situações menos gratas, que entristeceram a nossa terra! Do alto dos seus ramos foram
testemunhas sofridas do ciclone e das cheias, que desvastaram o arvoredo e as terras de cultivo dos nossos vales, os constantes
incêndios chamuscaram-lhes as folhas, mas não o inquebrável desejo de viver!

Por vezes pensamos que estas árvores têm vida própria, falamos com elas, contamos os nossos segredos, falamos das nossas mágoas,
dos nossos anseios, da nossa esperança num futuro sempre melhor...
E no paganismo dos nossos actos, no sussurrar do vento nos ramos das velhas carvalhas, parece-nos ouvir uma resposta, um conselho
adulto e sábio de alguém que corresponde ao nosso amor e já muito viveu!
E para que este amor recíproco não se torne em adoração, alguém descobriu um nicho, no tronco de uma destas árvores e por devoção
ali meteu uma santa, e neste acto tão simples conseguiu um duplo efeito e subverteu o nosso gesto pagão, o sentir que amamos o
nosso símbolo, mas adorar...adorar só Deus, Jesus e Nossa Senhora!

No futuro vamos continuar a vê-las, na juventude dos seus longos anos, saudando este povo e os amigos que nos dão o prazer da sua
visita, nos seus ramos e folhas os passarinhos vão cantando o hino da sua liberdade num albergue eterno que lhes dá guarida e lhes
renova a esperança nas gerações vindouras...Os seus olhos
e ouvidos, apesar de cansados, vão manter-se despertos na imensidão do tempo, vendo as águias do Ventoso no seu circular
infinito, os fios de água descendo quais cascatas nos nostálgicos Invernos e ouvindo as raposas lhes farejando os troncos, os texugos,
os gatos bravos, os papalvos e as doninhas no seu labutar nocturno...

Todo este mundo elas irão transmitir aos nossos descendentes, a história não a escrevemos, deixamos como legado estas árvores,
elas são o amanhã dum povo que tem sabido viver na fraternidade das várias eras, um povo que tem como Padroeira a Senhora da Paz
e que anseia por essa mesma paz para todo o Mundo.

A quadra do passado passou, a quadra do futuro terá como tema as 'carvalhas do Cabeço':

Adeus lugar de Travessas;
Adeus carvalhas do Cabeço;
Mesmo que eu me vá embora;
Nunca delas me despeço!


Travessas, Maio de 2003


Carlos Manuel F.Gonçalves

(Jornal de Arganil nº. 3890 de 26 de Junho de 2003)

segunda-feira, 9 de abril de 2007

TRAVESSAS - Capela


TRAVESSAS (3) - Passado, Presente e Futuro

Há dias estava sentado no adro da Capela, local onde aliado a uma rara beleza, o olhar se perde lá nos confins da Serra do Caramulo,
nas poucas árvores que os contínuos incêndios não conseguiram roubar-nos, nos montes e vales que nos rodeiam por todos os lados...
Ali estava eu, no centro do mundo, na quietude de um dia de Verão,
no silêncio do cantar dos pássaros, na nostalgia dos anos passados, na certeza risonha do momento presente, na esperança convicta
de um futuro sempre melhor...

E foi ali, na solidão do momento, na pequenez do que sou perante a grandeza de tudo que me rodeia, que revivi o garoto de calções
que se escondia de vergonha quando chegavam os 'senhores' de Lisboa, que caminhava ao calor, à chuva e ao frio, acompanhado
do Casimiro e do Arménio, para a escola alí em Celavisa. Recordei
a meninice tímida, as crianças que depois da escola guardavam o gado e iam ao mato para os animais, os jovens/crianças que com
11/12 anos iam trabalhar para os Serviços Florestais na Serra do Vieiro...
E 'vi' também os amigos, os muitos amigos que partiram, a saúdade que nos deixaram no interregno do reencontro, 'vi' Travessas cheia
de gente, a apanharem as uvas, a desfolharem o milho na eira, a apanharem a azeitona no frio Inverno...

O passado passou, deixou-nos presentes, Travessas tem, hoje, tudo que um ser civilizado anseia, houve muito trabalho pelo meio, mas
também houve, felizmente, muitos amigos que nos ajudaram. Agora somos menos aqui, já não se ouvem as vozes cantando por esses
campos fora, as brincadeiras das crianças e mesmo os pássaros estão mais silenciosos. No entanto, na nossa maneira de ser nada
mudou, continuamos a ser os mesmos, neste ambiente fraterno e
comunitário em que sempre vivemos, eternos amigos e hospitaleiros para quem nos visita, sempre de porta aberta na oferta daquilo que temos.

O futuro é amanhã! Vai apanhar-nos mais velhos, os cabelos brancos vão recordar-nos os fios de linho que, outrora, os nossos avós teciam
nos seus teares. Tivemos filhos e agora temos netos, a vida renova-se em cada dia que passa.
Assim é, também, Travessas! Foi o nosso berço, ensinou-nos o caminho da vida, deixou-nos seguir o nosso destino, com a promessa
de sempre voltar. E quase todos nós partimos, andámos por terras distantes, construímos o nosso futuro... Todavia, o apelo da terra
nunca foi esquecido e regressamos sempre, alguns de uma forma mais presente, outros por meses, dias ou horas, tal como o filho pródigo sempre volta ao regaço da sua mãe amada.

E é agora ao regressarmos com os nossos filhos e netos, que acreditamos que Travessas não morrerá jamais, os nossos
descendentes irão prosseguir o nosso trajecto, fazer com que a nossa terra continue igual a si mesma, diferente e acolhedora,
as águias altaneiras vão manter-se como sentinelas vigilantes lá no alto da serra da Gatucha, a suave brisa vai permanecer nos beijando
o rosto, a água pura e cristalina vai manter-se deslizando, por entre os socalcos da Fonte Fria e os penhascos do Porto Cimeiro, a
caminho do seu destino e à noite vamos continuar a ouvir o piar da coruja e o gargalhar da raposa procurando a sua presa.

Amanhã é um novo dia, é o futuro, que queremos nunca nos deixe saudades do passado.

Travessas, Setembro de 2002


Carlos Manuel F.Gonçalves

(Jornal de Arganil nº. 3859 de 21 de Novembro de 2002)

domingo, 8 de abril de 2007

TRAVESSAS (2) - As Ruas da Minha Terra

Travessas!

Fica situada quase na fronteira dos concelhos de Arganil e Góis, avista-se da EN-342, no Alto do Pereiro ou no ramal da Sarnoa
para Celavisa, a serra da Gatucha acolhe-a no seu colo, a Senhora da Paz e Santa Luzia são padroeiras na sua protecção...
É, sem dúvida, a aldeia mais bonita do concelho de Arganil!
A sua beleza advém da localização, da paisagem, das vistas, das pessoas...
Tudo aqui irradia tranquilidade, sossego, paz, amor...
No entanto, e como tudo na vida, há sempre um senão que não podemos ignorar: a nossa terra tem poucas ruas!

Depois deste preâmbulo, é natural a pergunta: se existe tanto encanto para quê falar de ruas?
Todavia, quão importantes são as ruas! Não sòmente pelos acessos, mas pelo que as mesmas representam.
Em todo o mundo as ruas representam algo, um facto ou uma personagem histórica, um deus mitológico, um benfeitor,
alguém importante pelo que fez pela terra, etc.

Na minha terra as ruas não têm nome!
E não têm nome porque são poucas!
Como podemos perpetuar nomes como os de Acácio Gonçalves, Ramiro Gonçalves, Silvério Neves, António Simões, Carlos Gomes,
Adelino Gomes, Benjamim Gomes e Alfredo Gomes, se não temos ruas em número suficiente?
Todos estes grandes homens das Travessas e outros que porventura olvido, deveriam ter o seu nome inscrito numa qualquer rua da
nossa aldeia, mas a terra é pequena para estes homens que deram o melhor de si próprios para o bem da comunidade em que viveram.

Esta geração de homens e também de mulheres, muitas delas felizmente ainda vivas, ajudaram a transformar uma terra em que
a iluminação era fornecida por candeias de azeite ou candeeiros a petróleo, em que a água não chegava às casas, o telefone estava
em Celavisa e a estrada era de terra batida por onde sòmente passavam carros de bois...

Eles merecem a homenagem do nosso reconhecimento, foram persistentes e determinados, sofreram na pele a incompreensão
e o abandono dos poderes instituídos, salvo raras excepções, as quais queremos salientar por ser de justiça, os actuais Presidentes
da Junta de Freguesia de Celavisa (António Dimas) e da C.M. de
Arganil (Engº Rui Silva), no entanto, essas atitudes nunca os fizeram desistir das suas convicções, ousaram lutar, foram firmes no ânimo,
conseguiram vencer!

É nostálgico pensar, agora que temos tudo que ansiámos na nossa modéstia, temos a ausência daqueles que nos ajudaram a
proporcionar esse anseio.
É assim a vida: ontem, hoje e amanhâ!
Ontem éramos crianças, hoje pais, amanhã avós!
Em cada amanhecer a vida é esperança, as folhas secas não voltam a desabrochar, mas surgem novas folhas no renascer de cada dia.

Vamos assim imaginar que a nossa terra é enorme, vamos pôr nomes em todos os becos, calçadas, travessas, ruas e avenidas, vamos
perpétuar todos aqueles que fizeram das Travessas aquilo que ela é: um paraíso para quem a visita, um doce lar para quem a ama...


Travessas, Março de 2003


Carlos Manuel F.Gonçalves

(Jornal de Arganil nº. 3879 de 10 de Abril de 2003)

TRAVESSAS - vista parcial


sábado, 7 de abril de 2007

TRAVESSAS (1) - A Nossa Terra

A minha terra é Travessas!
Dito desta forma esta frase parece ser algo banal e no entanto reflecte uma diferença: quando perguntamos a um 'alfacinha' da
capital qual é a sua terra, ele invariàvelmente responde: 'eu nasci em Lisboa ou eu sou de Lisboa'!; quando formulamos a mesma questão
a um beirão, altivo serrano, aí ele responde: 'a minha terra é (...)!
Esta é a diferença, quem nasce numa grande cidade não sente o orgulho da sua terra, como o sente quem nasceu naquelas humildes
aldeias.

A nossa terra é algo de sublime, aquelas serras, aqueles campos, aquelas pedras, viram passar gerações, sentiram o renovar
constante da vida, assistiram ao apogeu de uma época em que apesar das dificuldades económicas as pessoas cantavam no
campo, nas eiras e ao desafio nas romarias, contavam anedotas brejeiras na soleira das portas ao entardecer... Mais tarde as
pessoas partiram, a juventude tornou-se adulta, as crianças deixaram de nascer, as aldeias ficaram mais tristes...

A voracidade da vida fez-nos perder tradições, fez-nos esquecer os amigos, tornou-nos mais egoístas. Todavia, nunca ninguém
esquece a sua terra e é sempre com o coração alvoraçado que regressamos, que recordamos o passado e que falamos do futuro.
Quando chegamos, que emoção sentimos ao avistar a capela, o casario modesto, falar com as poucas pessoas que ainda ali
vivem e que são todas nossas amigas, dizer-lhes que estão cada vez
mais novas, que o ar da serra lhes enrija os ossos e a vontade de viver, pessoas que apesar da idade dos anos continuam a cuidar
do amanho das suas terras, muitas vezes não por necessidade, mas pelo amor e carinho que sempre dedicaram a quem, no passado,
aí sim, foi o seu único meio de subsistência, a única forma de alimentarem os seus filhos.

E é neste misto de emoção e duma doce paz interior, que percorremos os campos, olhamos as hortas, as vinhas, as árvores
de fruto, ouvimos o cantar dos pássaros... Também olhamos com pena aquela pequena parcela de terra que agora está abandonada
ao mato e às ervas, aquele monte em que antigamente só se viam pinheiros e, hoje, fruto do descuido, do desvario ou da ambição
do homem, sòmente vemos ou terra calcinada pelos constantes
incêndios, ou desmazelados eucaliptos que sempre dão mais lucro que a verdejante mata de outrora.
Tudo aqui nos recorda algo, aquele caminho que percorriamos guardando o gado, aquela árvore em que um dia fomos tirar
um ninho (pecado de uma infância inocente e inculta), aquela fonte que nos saciava a sede, aquela silveira que nos dava amoras...
À tardinha assistimos à beleza do vermelho do pôr do sol e à noite contemplamos extasiados um céu cheio de estrelas, esperando
que surja a luz da lua para nos iluminar o caminho rumo ao alvor de um novo dia.

Por tudo isto, aquele rincão que amo, é a minha terra, Travessas!


Travessas, Dezembro de 2002

Carlos Manuel F.Gonçalves

(Jornal de Arganil nº. 3866 de 9 de Janeiro de 2003)

Apresentação

Hoje, nesta sociedade de informação em que vivemos e com o incremento constante de novas tecnologias, estão em moda os 'blogs', ou seja uma forma de cada um de nós tentar transmitir
a este mundo global em que vivemos, as ideias, as recordações, os sonhos, o actual e o futuro, enfim, algo que possamos considerar de
interesse para alguém que nos conheça pessoalmente, e neste caso, essencialmente, para amigos da região em que nascemos.

Numa primeira fase, irei inserir nestas páginas os artigos que, no decorrer dos últimos anos, enviei e foram publicados no 'Jornal de Arganil'. Estes artigos são uma análise, muito pessoal, uma
recordação, uma forma de ver a minha terra, Travessas.

Para todo o pessoal desta terra, para todos os conterrâneos e amigos, um abraço fraterno de alguém que procura, nesta via,
uma forma de contacto, que com a voragem da vida, muitas vezes se revela impraticável.

Carlos Manuel F.Gonçalves

Quinta do Anjo, 7 de Abril de 2007