sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

DIARIO (4) - DEZEMBRO DE 2008

Quinta do Anjo, 1 de Dezembro de 2008

Feriado comemorativo da restauração da independência de Portugal, face a Castela, que durante 60 anos ocupou o país e nos subjugou.
Muita gente diz que foi um erro esta sublevação de 1640, estaríamos hoje melhor, como mais uma região de Espanha. Para mim este pensamento é uma traição aos homens que, durante mais de oitocentos anos, tornaram possível a independência deste pequeno país, sempre corajoso e respeitado e que teve a ousadia de dar a conhecer novas terras ao Mundo.
Apesar das independências, hoje, nada significarem - é mais importante a dependência do dinheiro -, não devemos desonrar homens como D. Afonso Henriques, Nuno Álvares Pereira e outros, que lutaram para que Portugal fosse uma nação e não uma província dependente de uma qualquer potência.
Outrora, os Portugueses eram toiros, bravos e viris; hoje, somos bois, mansos e capados!

Quinta do Anjo, 2 de Dezembro de 2008

Não acredito muito em astrologia, embora algumas características do meu signo, pareçam adequar-se à minha personalidade.
O meu signo é Leão, tendo como Planeta Regente o Sol e Elemento Fixo o Fogo. Gosto do meu signo porque os astros dizem que é o mais charmoso de todos, quase só coisas positivas: personalidade vibrante e espírito de liderança, criativo, generoso, determinado, dominador, leal, bonito, elegante, romântico, idealista, conquistador, artista…; as negativas são coisas menores: egocêntrico, vaidoso, orgulhoso…
Não há dúvida, os astros foram generosos na sua análise em relação ao meu ser, todavia, uma coisa não disseram: o meu elemento fogo está invertido em relação a ti, elemento terra; na minha paixão, tu é que és fogo, eu sou rocha derretida, sou lava no fogo do teu olhar!

Quinta do Anjo, 3 de Dezembro de 2008

Neste dia fizemos a árvore de Natal. A decoração é simples, a condizer com a singeleza do nascimento do Menino Jesus, num estábulo, em Belém, na Judeia: um pinheiro, enfeitado de luzes; a neve, a condizer com a época; a estrela, que iluminou o caminho aos Reis Magos; o presépio com a cabana, a manjedoura, S. José, Nossa Senhora e o Menino Jesus.
A árvore de Natal é o primeiro passo, para uma quadra diferente, uma época que desejamos seja de paz, amor e esperança.
Era bom que todas as épocas fossem iguais a esta, que a vida fosse fraterna, que o exemplo de Jesus fosse o guia de toda a humanidade, que os homens fossem sempre homens e não, muitas vezes, seres selvagens, que as crianças fossem todas Messias, fossem as estrelas que iluminassem o nosso futuro…
Para manter o fulgor da chama do Natal, temos de acreditar na vida, temos de acreditar em nós próprios.

Quinta do Anjo, 4 de Dezembro de 2008

A natureza, na sua diversidade, coloca-nos, no Outono e Inverno, perante situações de admirável reflexão. Olhamos a paisagem e vemos árvores vestidas e árvores despidas, ou seja umas com folhas e outras nuas.
Não sei a razão de semelhante desigualdade, apenas suponho que a natureza quis mostrar-nos o retrato da eternidade: a vida, a morte e a ressurreição.
Para mim, que amo a natureza, fico maravilhado no encanto da paisagem, tanto a árvore vestida me dá calor ao corpo, como a árvore despida me aquece a alma.
As árvores são como as mulheres: elegantes no vestir, sensuais no despir, belezas na nudez…

Quinta do Anjo, 5 de Dezembro de 2008

Na hora da chegada a este mundo, quase sempre chegamos atrasados; na hora da partida, nunca queremos chegar adiantados.

Quinta do Anjo, 6 de Dezembro de 2008

Juntámos, hoje, os três netos aqui em casa. É óbvio que em pouco tempo parecia que tinha passado pela casa um vendaval, melhor dizendo um tufão! Nada ficou por desarrumar, até o pobre do cão ficou com um andar novo e as orelhas em pé, depois de fazer de burro.
É um encanto, uma ternura, acompanhar o desabrochar das crianças! É impressionante como nos estão sempre a surpreender, com a inteligência e a argúcia que revelam, os ditos, o não esquecimento das diversas situações, as perguntas que fazem, as correrias, os gritos, enfim, uma casa cheia de encanto, de alegria… Junto dos netos, voltamos a ser crianças, rejuvenescemos!
Nestes meninos, nesta ingenuidade pura, está o destino da humanidade e como as crianças tendem, normalmente, a copiar os adultos, temos de dar-lhe um exemplo de responsabilidade, de fraternidade e paz, um exemplo dum futuro melhor, do que este presente que não temos sabido construir.

Montijo, 7 de Dezembro de 2008

Tive oportunidade de assistir, há momentos no Montijo, a uma brincadeira protagonizada por uns miúdos, que me fez recordar momentos da minha juventude.
Em algumas festas e romarias, no passado, um dos divertimentos tradicionais, era colocar um tronco ensebado que as pessoas tentavam subir, com a promessa de ganhar um prémio se tivessem êxito.
Na realidade e desde que não exista batota, este tronco é uma analogia da vida: todos queremos alcançar o topo, mas raramente passamos do meio.

Quinta do Anjo, 8 de Dezembro de 2008

Há momentos uma pessoa amiga dizia-me gostar muito do Outono, daí a minha resposta:
- Se gostas muito do Outono, gostas muito de mim, eu sou o Outono da vida!

Quinta do Anjo, 9 de Dezembro de 2008

A vida é como as gotas de veneno que vamos bebendo, do cálice que um dia enchemos, não morremos no imediato, vamos morrendo, aos poucos, todos os dias.

Almada, Forum de Almada, 10 de Dezembro de 2008

Já não ia a uma sala de cinema há mais de vinte anos!
Hoje fui convencido a ir ver um filme sobre a Amália e confesso não gostei.
É óbvio que não estava à espera ver nenhuma obra - prima, assim como não sou, verdadeiramente, um grande apreciador do fado e muito menos da Amália. O que não me agrada é estar ali sentado, cerca de duas horas, numa sala escura, com o pessoal ao lado a fazer comentários a cada cena e a mastigar uns baldes gigantescos de pipocas.
Sinceramente, no aspecto de representação, prefiro muito mais uma boa peça de teatro, aí posso ver um actor a viver um papel ao vivo, pode não ser um grande artista, mas está a mostrar o genuíno de si, ao contrário do artista de cinema, que pode repetir as cenas até à exaustão, utilizar duplos, efeitos especiais e outras novas tecnologias.
O teatro é natural, é vida, o cinema é artificial, é ilusão…

Quinta do Anjo, 11 de Dezembro de 2008

As paixões são como fotografar o vento, quando mais tarde fazemos a revelação nada fica na imagem, ou fica apenas a paisagem!

Quinta do Anjo, 12 de Dezembro de 2008

O amor é um sentimento que se vai conquistando no dia-a-dia e que pode ser eterno, diferente da paixão, que sendo um desejo de posse, é uma emoção quase patológica, em que o ser perde a sua individualidade e muitas vezes o raciocínio, a caminho da obsessão.
A paixão é uma emoção exacerbada, ardente, mas fugaz, que, ou se transforma em amor, ou morre, enquanto o amor é um vínculo emocional mais constante, é um sentimento vital para as nossas vidas, mas, com a idade, e tal como um bom vinho, não se deve agitar demasiado, pode avinagrar ou mesmo azedar.

Quinta do Anjo, 13 de Dezembro de 2008

Continua o tempo bastante desagradável: chuva, vento e frio.
É natural este clima nesta época do ano, no entanto, nunca aceito bem este tempo de Outono e Inverno, ainda agora começou e já suspiro pela chegada da Primavera.
Podem falar-me do romantismo no Outono, das folhas caídas e do entardecer, assim como o encanto, no Inverno, da chuva através da vidraça, do branco da neve, ou das quentes lareiras, mas nada chega ao ciclo que se inicia em meados de Março e tem o seu término em Setembro.
É muito mais belo sentir o crescer dos dias, o desabrochar da vida, as serras e os campos floridos, o rebentar das folhas e o nascer dos frutos nas árvores, a chegada das andorinhas, os pássaros a construir os ninhos, o renascer do Sol…
Enquanto não chegam as estações do meu fascínio, vou vivendo no desencanto destes dias que gelam o corpo e enegrecem o espírito.
Apesar de tudo, prefiro a chuva ao frio, nos intervalos das gotas da chuva sempre consigo passar, mas o frio não tem intervalos.

Quinta do Anjo, 14 de Dezembro de 2008

Outono na natureza; rotina no quotidiano; corpo e alma a arder, na fogueira da vida!

Quinta do Anjo, 15 de Dezembro de 2008

Terminei a leitura dum livro de John Steinbeck, ‘A Um Deus Desconhecido’, livro que já tinha lido há uns anos atrás e que me marcou profundamente.
É a história duma família de agricultores nos E. U. América, e a conquista das terras do Oeste americano, no vale da Califórnia, no século dezanove.
É impressionante a paixão desta gente pela terra, especialmente do protagonista da história, um homem que depois de seu pai morrer, passou a adorar uma árvore, num acto de paganismo, nela simbolizando o pai vivo, o seu Deus, falando com ele e pedindo conselhos, e mais tarde, depois de tempos de seca, das terras sem água, gado e sementeiras perdidas, achou por bem morrer com a terra que ele tinha desbravado, cultivado e transformado em prósperos campos.
Os seus últimos suspiros, junto dum ribeiro seco, quando já desfalecido, depois de ter cortado os pulsos e quando de repente começa a chover em torrentes, - «eu sou a chuva, eu sou a terra, a erva brotará de mim dentro em pouco» -, são os murmúrios dum ser que além de tudo na vida, amou a terra.
Joseph, nome da personagem da história, marca o contraste do homem na cidade e na terra: na cidade semeia luzes, na terra semeia raízes.

Lisboa, 16 de Dezembro de 2008

Passei uma parte da tarde no Centro Comercial Colombo.
Nesta altura do ano, estes espaços comerciais e de lazer, são pura loucura.
A loucura da azáfama das compras natalícias dos últimos dias, as correrias e o nervosismo do nada esquecer, os brinquedos das crianças, as prendas para os amigos e família, não há dúvida é uma época diferente de todas, mesmo com o orçamento cada vez mais apertado, há sempre um presente, mesmo singelo, que gostamos de partilhar.
Jesus deixou-nos um exemplo de harmonia, paz e amor, é pena que apenas nesta época consigamos olhar para o lado e ver na pessoa que nos acompanha um ser igual a nós, com os mesmos defeitos e as mesmas virtudes, com os mesmos anseios de felicidade…

Quinta do Anjo, 17 de Dezembro de 2008

Quando apanhamos o comboio da rotina, a viagem é eterna, nunca mais conseguimos chegar à estação do destino.

Quinta do Anjo, 18 de Dezembro de 2008

‘Manhã de nevoeiro, tarde de soalheiro’, diz o povo e normalmente é verdade!
Hoje, mais uma vez, tivemos uma manhã cinzenta, com visibilidade quase nula e de tarde um dia claro, agradável, cheio de sol.
Estes dias de duas faces reflectem de certo modo a nossa maneira de viver. Quantos dias acordo de manhã, cheio de brumas no espírito, depois basta ouvir o cantar dum melro, ou ver uma flor num qualquer jardim, para sentir o dissipar do escuro e o dia passar a ter outra cor, um dia de luz e esperança.
Na vida, não podemos ver a noite, à luz do Sol, mesmo que o nevoeiro, muitas vezes, nos tolde o espírito e a alma.

Quinta do Anjo, 19 de Dezembro de 2008

Estou a olhar a noite através da janela da minha casa. É muito mais bela a noite no campo, junto da serra, uma diferença sublime na comparação com a cidade: aqui, ainda há estrelas no céu, na cidade há apenas luzes!

Quinta do Anjo, 20 de Dezembro de 2008

Na urbanização onde trabalho há um edifício que serviu, em tempos, de andar modelo, na venda dos primeiros apartamentos.
Esta casa está agora bastante degradada, a pontos de no soalho flutuante estarem a nascer plantas, a haver infiltrações e outros buracos na estrutura.
Há pouco estava a olhar para as plantas, a pensar como a natureza transforma em vida um ambiente deprimente, quando vejo no chão, ao lado da planta, um pardal morto. O pássaro entrou por um dos vários buracos existentes e não tendo conseguido sair, veio ali a morrer.
Este casebre representa agora a existência, na sua essência: a vida na planta e a morte no infeliz passarinho.

Quinta do Anjo, 21 de Dezembro de 2008

Primeiro dia de Inverno, primeiro dia da estação do meu descontentamento!
Apesar de tudo, gosto mais do Inverno do que do Outono: enquanto no Outono é a transição dos dias lindos de Verão para a estação do desespero das folhas caídas, agora sempre há a esperança da estação a seguir, a Primavera, nos trazer o dealbar da vida, o nascer das folhas…
Também no Inverno, apesar dos dias frios, sempre aquecemos o espírito com o nascimento do Menino Jesus, é preciso Jesus nascer todos os anos para sentirmos uma réstia de ânimo, assim como com o inicio dum novo ano, sentimos um renovar da confiança num mundo de maior equidade, numa vida melhor para a humanidade.

Quinta do Anjo, 22 de Dezembro de 2008

Não há dúvida, o andamento da vida é sempre igual, nós é que, a partir de determinado momento, não conseguimos acompanhá-la!
Aqui, na Quinta do Anjo, há uma vala que eu sempre atravessei com um salto, hoje, ao fazer o movimento habitual, aterrei no fosso.
Os anos passam, não damos por isso, a vala a transpor cada vez se alarga mais.

Travessas, 23 de Dezembro de 2008

Voltei hoje, de novo, à minha terra, Travessas.
Travessas, com que emoção digo o teu nome!
Nasci em ti, como tu nasceste da serra!
Tal como a andorinha que regressa sempre ao mesmo beiral, também eu regresso sempre de coração agitado à terra que me viu nascer.
Quando passo no ramal de Sequeiros e vejo a placa com o teu nome, logo começam as palpitações e então quando chego ao largo do Cabeço e avisto as velhas Carvalhas, a Capela da Senhora de Paz e o casario desalinhado, o coração palpita e um frémito de comoção, mas também de calma, invade-me a alma.
Este sentimento, esta emoção, demonstra bem que, apesar da distância, os ramos nunca se afastam muito das raízes.
Travessas, a natureza colocou ali uma serra para te ter sempre protegida e segura em seus braços. Deu-te pão no tempo da fome, deu-te coragem e muito ânimo para lutar contra as adversidades, deu-te paz e tranquilidade, deu-te paixão e amor, deu-te vida…
Travessas, és serra, és campo… és natureza!
Montes ondulantes, com mato agreste, urzes, carquejas e tojos, ornamentos floridos na Primavera; fragas de xisto, cuja dureza ombreia com o ânimo inquebrável das várias gerações de mulheres e homens desta terra; águias e milhafres, voando altaneiros no cume da serra, quais guardiões dos nossos palácios, sem fosso e de chave na porta; coelhos, perdizes e rolas, que matadores, autorizados, vão exterminando, numa destruição dum mundo de liberdade, em que todos somos coniventes.
Campos em socalcos, tapete de cores, flores de singela beleza, perfume dos meus sentidos; árvores das mais variadas espécies, umas de fruta para nos adoçar o ser, outras, com os ramos abertos como para nos abraçar e que nos dão sombra no quente Verão e nos resguardam das inclemências no duro Inverno; melros, tentilhões e pintassilgos, que nos cantam as suas árias de puro encanto.
Vales verdejantes, onde correm regatos de água pura e cristalina, ladeados por amieiros, choupos e salgueiros, frescura do espírito, no fogo da vida.
Travessas, paixão eterna da minha vida!

Loures, 24 de Dezembro de 2008

Noite do nascimento do Menino Jesus, noite das crianças, noite de Natal…
O momento alto é, sem dúvida, a chegada do Pai Natal, com as prendas para as crianças. Ver o espanto e a emoção nos olhos dos meninos, quando da encenação da chegada do velho de barbas, carregado de presentes, é algo de sublime, simplesmente maravilhoso.
É bom ver as crianças acreditar no Pai Natal, a ilusão só a inocência a vê, porque não vê.

Loures, 25 de Dezembro de 2008

Dia de Natal, dia da família, dia de mais paz, de mais amor…
É sempre um dia diferente, um dia de mais fraternidade, de mais afecto, infelizmente não conseguimos que todos os dias sejam dias de Natal.
Se todas as pessoas quando nascem são seres puros, como é possível a vida as transformar de tal modo que, mais tarde, mais parecemos seres inumanos, selvagens, do que irmãos do mesmo mundo.
Falamos de mais…mais…mais, quando a humanidade apenas devia viver o apenas da paz, amor e felicidade, que Jesus pregou e nos tentou ensinar.

Quinta do Anjo, 26 de Dezembro de 2008

Passou o Natal, passou a alegria e o clarão de esperança que vi nos olhos dos meus netos, regressa o desassossego, sou um ser em que o niilismo atormenta, em que estes dias, apesar do Sol, me parecem que a noite anoitece de manhã.

Quinta do Anjo, 27 de Dezembro de 2008

Dia de chuva, frio e escuridão, dá a ideia de que Deus quer fazer sentir ao Menino Jesus, nascido há dois dias e ainda na sua cabana fria, lá na Judeia, a dureza e as inclemências da vida.

Quinta do Anjo, 28 de Dezembro de 2008

Dia familiar, com a casa cheia de gente, filhos, netos, primos e outros amigos.
É sempre bom sentir o calor da família junta, uma tradição que se foi perdendo e que agora quase só em tempos de festa, se regressa aos tempos ancestrais.
Não gosto de falar do passado, a vida é o futuro, mas existem situações como esta do convívio familiar, de mais união e de mais fraternidade, que devíamos retomar, a vida é feita de amizade e de palavras, sem afecto vamos vivendo no cambalear do instinto.

Quinta do Anjo, 29 de Dezembro de 2008

Este dia foi para mim um dia de emoções e situações díspares.
Durante a noite tive um pesadelo, estava no alto mar, em noite de tempestade, numa noite em que a própria escuridão se afogava, solitário náufrago, sem salvação possível, quanto mais queria nadar para terra, mais era puxado para os abismos do fundo do mar e então quando o desespero me toldava o espírito, eis que chega uma ninfa que docemente me acolhe em seus braços e quando desperto estou deitado na praia, com as calmas ondas me acariciando o corpo e o sol dando a luz e o calor que o meu espírito desassossegado e a minha alma inquieta, tanto necessitavam.
Depois deste sonho, levanto-me, ponho as lentes de contacto e esta rotina de todos os dias revela-se uma aflição, um dos olhos não aceita a lente, é como se um tição incandescente me entrasse na vista; vou para o trabalho e aí uma porta bate-me num tornozelo e foi como se o nevoeiro da manhã, em vez de cinzento, fosse preto.
Depois destas situações, destas emoções, sinto o corpo atormentado devido às agressões físicas e de espírito, no entanto, a minha alma entrou em devaneio, quer ir de novo para o vazio, procurar a ninfa do meu sonho.
Que dia é hoje? – 29 de Dezembro - Um dia a recordar!

Quinta do Anjo, 30 de Dezembro de 2008

Amanhã vai passar mais um ano! Mais um ano que não deixou saudades, muitos factos negativos na minha existência, muitos acontecimentos negativos no mundo…
Os anos vão passando, a esperança no amanhã, que teimamos em manter na vida, muitas vezes faz-nos negaças, insistimos, tentamos manter o rumo, seguir em frente, lutar contra a rotina, contra a adversidade, mas há sempre uma sociedade obediente, forças presentes e omnipresentes, forças obscuras que nos tentam amesquinhar, que nos querem apenas mais um ser dócil, domado.
A vida na rotina é uma crueldade, tornamo-nos autómatos, fazemos as coisas sem pensar, o cérebro vazio, o rumo eternamente igual, caminhamos sempre no mesmo sentido, e se, por qualquer motivo, trocamos de rota, ficamos confusos, desorientados… Não há dúvida, o marasmo de todos os dias, família, trabalho, as voltas saloias, o engano de quinze dias de férias num qualquer local diferente, mas massificado, obscurece o pensamento, faz com sejamos despojos humanos numa terra de abdicações.
Por mim quero o entardecer vivendo e não de viver o entardecer.


Queluz de Baixo, 31 de Dezembro de 2008

Passagem de ano, em tempo de crise, em época de bombas no Iraque, na India, no Paquistão, no Médio Oriente…
Ano após ano, tudo igual, a mesma fome, os mesmos campos de refugiados, as mesmas armas letais a liquidar a humanidade, os mesmos seres aviltantes destruindo o mundo.
Dentro de dias vamos ter o dia dos Reis Magos e dos presentes ao Menino Jesus, que bom seria que esses presentes fossem a paz e o bem-estar para a Terra e para os homens, que Jesus não tivesse necessidade de morrer todos os anos, pela Páscoa, para nos salvar a alma na expiação dos nossos pecados!
No meio de tudo isto um sinal de confiança, um raio de luz nos olhos dos meus netos e de todas as crianças, uma promessa num futuro em que as bombas se transformem em papagaios de papel, os soldados em cultivadores de pão e as balas em bisturis para curar os enfermos.
Temos de construir um arranha-céus de esperança, para não andarmos, permanentemente, no rés-do-chão da vida.

Quinta do Anjo, Dezembro de 2008

Carlos Manuel F.Gonçalves